Eu tenho uma opinião impopular a respeito de Alien: Covenant: eu achei bom, gostei, me diverti. Ou seja, não só me diverti (o que pode acontecer mesmo que eu não goste do filme) como ainda por cima gostei (não saí ofendida nem destratada ou querendo o meu dinheiro de volta). Pra ser sincera, eu acho que mais gente se divertiria se essa não fosse uma franquia estabelecida, que tem um filme (Alien, o 8º passageiro, de Ridley Scott) considerado um dos maiores suspenses de todos os tempos, e outro (Aliens, o do James Cameron) em alta conta pelos fãs por ter sido um dos grandes blockbusters dos anos 1980.
Covenant quer realizar duas tarefas bem distintas. Por um lado, Ridley Scott tenta um resgate da importância da franquia. Por outro, ele quer fazer com que ela não fique restrita ao universo meio pequeno e sem grandes explicações dos dois primeiros filmes. Esses objetivos se contradizem porque o segredo do sucesso inicial de Alien era o bicho ser alienígena. Alienígena mesmo: não só uma coisa horrorosa vinda do espaço, mas um ser letal que era desconhecido em todos os aspectos, alheio, forasteiro, um corpo estranho. A princípio ele não era nem um vilão porque não tinha necessariamente vontade de matar, de fazer o mal, de montar uma tramoia. O monstro do primeiro filme era puro instinto de sobrevivência, a indiferença da natureza. Era necessário, sempre, que alguém morresse para que o bicho sobrevivesse e esse era o maior terror.
Claro que as sequências não mantiveram esse princípio. A primeira, dirigida por James Cameron, virou a história de uma operação de guerra. Soldadinhos contra o Alien, o Alien vence. Ainda não se falava muito a respeito de sua origem, mas o universo já se ampliara. Havia a corporação, dessa vez com mais sede de dinheiro; também a vida pessoal da tenente Ripley ganhou contornos mais pesados. Mas, tirando o instinto maternal da protagonista, as motivações eram todas bem vagas e James Cameron não perdeu tempo com elas. O que ele fez foi nos mostrar a tecnologia necessária para combater o bicho. A câmera presta atenção em naves, tanques, sistemas computadorizados, armas de mão, explosivos, robustas armas pesadas. Nada disso foi suficiente para parar o monstro, e por isso ele vai ficando mais poderoso. No primeiro filme, ele pegou todo mundo desprevenido. Agora, ele é uma ameaça séria e a força bruta chega a ser inútil. Ainda assim, ninguém liga para o lugar de onde ele veio.
As próximas sequências pouco acrescentaram à mitologia. Alien 3, o de David Fincher, tentou começar do zero e não teve graça; Alien: Resurrection, o de Jean-Pierre Jeunet com Winona Ryder, foi uma perdição tão grande que conseguiu enterrar a franquia. Isso foi em 1997. Vivemos a década de 2010 e sabemos que hoje em dia ninguém pode deixar uma marca morrer. Em 2012 o próprio Ridley Scott trouxe ao mundo o quase interessante e bem decepcionante Prometheus. Foi nessa hora que as duas tarefas distintas começaram a entrar em contradição. O espírito do filme original requer mistério, mas o espírito das produções atuais requer elaboradas explicações, mitologias, teorias, assunto para as redes sociais. Talvez essas duas pontas não sejam necessariamente opostas, mas vê-se que Ridley Scott está tendo dificuldades em conciliá-las.
A Covenant é uma nave que leva mais de duas mil pessoas a outra vizinhança do universo para colonizar lá um planeta. Não tem nem o período de calmaria antes de o problema aparecer: a tripulação já acorda de um hiper-sono com um mau funcionamento no sistema. Tem uma urgência, tem morte, luto e o passo seguinte, como só cientista de blockbuster consegue fazer, é mudar absolutamente todos os planos, ignorar qualquer resquício do protocolo e partir para a improvisação total. O que pode dar errado quando se pousa em um planeta desconhecido que nem estava nos planos? O esqueminha começa a funcionar e aquelas pessoas bem treinadas e de boas intenções morrem pelo bem do nosso entretenimento. Essa era uma das graças da franquia, e nesse sentido Covenant não decepciona. As mortes são horríveis, uma delas memorável, mesmo que a burrice geral e a falta de sentido nas reações de personagens tire uma parte da graça e coloque indignação no lugar. Ainda quando estão aparecendo os primeiros resultados do contato com o organismo destruidor (que, se eu entendi bem, é uma versão beta do monstro original) o filme toma outro rumo. Dali em diante não vamos só aproveitar a matança, vamos em busca de respostas.
E se a gente se concentrar nas respostas, o filme fica bem bobo. Estou acostumada a produções que tratam o espectador como idiota, mas nesse caso a falta de respeito chegou a um nível a que não se chega todo dia. É verdade que sem decisões irrazoáveis a gente não tem história. Se tudo funcionasse bem, não haveria filme e os tripulantes estariam em casa tomando um golinho de chá e olhando a chuva. Mas Covenant abusa da gente porque tudo o que acontece depende muito de burrice de todas as partes. Os personagens têm que ser burros, e aí quando o filme quer defendê-los acaba ficando burro junto. Quem está assistindo também precisa ser burro para engolir com uma cara séria as ladainhas filosóficas que saem da boca do ótimo Michael Fassbender, mas a certa altura eu tive a impressão de que quem estava errada era eu.
Antes de sair de casa eu li duas críticas, ouvi uns comentários e fiquei preparada para assistir a uma bomba. Essa parte da repercussão de Covenant que eu pude ver se resume a uma indignação por Ridley Scott não deixar intacto o espírito do primeiro filme. E isso é verdade: foi-se embora aquela aura de suspense, embora o diretor tenha tentado engatar umas referências visuais e trazer parte da atmosfera em cenas específicas. O que eu percebi já na sala de cinema foi que ninguém estava errado em dizer que o filme é besta, mas todo mundo (todo mundo que eu li) estava preso na expectativa de ver uma produção da franquia Alien, quando na verdade aquilo ali era uma espécie de filme da Marvel. E eu percebi isso quando Michael Fassbender tocou a flautinha pela primeira vez.
Eu juro que não estou sendo irônica quando digo que, se Alien: Covenant fosse anunciado como a história de origem de algum super-herói (ou super-vilão, o que seria mais adequado), a gente se concentraria melhor no que interessa (o visual, as cenas de ação, as mortes, a construção do universo) e nem pararia para considerar a falsa profundidade daquilo que o filme diz querer investigar. Por causa disso, eu acho que está muito bem realizado o resgate da franquia. Penso que, ao expandir este universo, a produção consegue apontar na direção em que está todo mundo apontando, que é aquela que segue a cartilha da Marvel ou de Star Wars. Mais do que nunca, agora o mundo de Alien está novamente pronto para sequências, derivados, crossovers e mais uma década de filmes de ação. Quem se deu mal foi o monstro, que já não é mais a grande ameaça desse universo, não é mistério para ninguém, e é quase secundário – serve aos planos de uma cabeça maquiavélica. Estamos abrindo as portas de uma galáxia cheia de perigos e etc.
Nesse sentido, eu também não estou sendo irônica quando digo que gostei de Covenant. Eu concordo que a mitologia é um apanhado de baixa ficção científica requentada, mas a construção do mundo compensa. O planeta, o design dos novos bichos, de naves, de sistemas tecnológicos, tudo isso é de encher os olhos. Michael Fassbender interpreta dois personagens, um é bonzinho e o outro é o malvadão. Rola um kung-fu entre os dois. Ambos conseguem falar os diálogos mais bobos do cinema com expressões críveis, e por causa disso eu louvo esse truque hollywoodiano de pagar ator excelente (e caro) para ser o centro de uma franquia duvidosa.
Aguardo as continuações.