The Terror é a melhor história de fim de mundo que já apareceu na TV

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Eu já vi muito seriado na minha vida – um número que até constrangeria pessoas com um pouquinho mais de noção – e posso dizer que sei reconhecer um clássico instantâneo quando esbarro em um. Quem não assistir a The Terror, da AMC, vai perder um dos grandes momentos da televisão nos últimos anos, com algumas das atuações mais comoventes que eu já vi em qualquer mídia.

Desculpa, me empolguei. Eu não sei se a série foi divulgada com alarde ou não, o que sei é que fui pega de surpresa. Baseada no livro de Dan Simmons, temos a história real da expedição de John Franklin, que partiu da Inglaterra vitoriana para encontrar a passagem que liga o oceano Atlântico ao Pacífico acima do Circulo Polar Árctico. Franklin e seus mais de 100 tripulantes partiram em dois navios, em 1845 e… jamais voltaram. Viraram lenda, motivando dezenas de outras viagens em seu encalço. O livro e a série ficcionam a expedição. E quando eu digo ficcionam eu me refiro a um pacote mais que completo. A história não é contada como poderia ter acontecido, nada disso: não demora e um monstro meio urso, meio demônio coloca a vida dos homens em risco, como se não bastassem o frio, a fome e as doenças.

The Terror é perfeita por diversos ângulos. A produção é daquele tipo que recria a época na medida certa, nem a mais nem a menos, sem pretensão de ser um fim em si mesma. Isso inclui os figurinos e cenários. A direção é precisa, nem sempre sutil ou no mesmíssimo tom, mas sem jogadas mirabolantes para fingir profundidade ou passagens arrastadas para duvidar de nossa inteligência. Mas se The Terror tem um aspecto irrepreensível este é o desempenho de todo o elenco. Não consigo me lembrar de uma exceção.

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Os três personagens principais são atores entre aqueles rostos que a gente se acostuma a ver, mas que nem sempre consegue lembrar de onde os conhece. Aqui, eles brilham. Tem Jared Harris, que tinha feito um dos coadjuvantes mais humanos de Mad Men; Tobias Menzies, que tem um papel nanico em Game of Thrones mas chamou a minha atenção pelo que fez em Outlander; e tem o veterano Ciarán Hinds, que é o Mance Ryder, também de Game of Thrones. Além deles, há Adam Nagaitis, que é um vilãozinho do capeta, um ator que me deixou com vontade de levantar do sofá e partir para a agressão física, que nem aquele homem com um capacete que invadiu uma versão teatral da Paixão de Cristo. Apoiados por gente que, pelo que me pareceu, mantém o mesmo nível, esses quatro atores mostram aquela capacidade de manter o olho da gente colado na tela, independentemente do texto.

E olha que o texto é bom pra caramba. Não li o livro, não o conhecia, nem sabia da existência de Dan Simmons, que, fui descobrir depois, é um autor bem badalado quando o assunto é ficcção histórica, mas os roteiros baseados no livro são do tipo que consegue contar várias histórias com o mínimo de pirotecnia, com aquelas sacadas que, ou dão vontade de chorar, ou despertam uma pergunta bem profunda lá no meio da cabeça. Além disso, uma das coisas mais gostosas de se envolver com um filme ou série é a possibilidade ter as expectativas frustradas, de se enganar a respeito do que vai acontecer e como – isso tudo The Terror faz sem render-se completamente ao espírito do tempo, o que é um sinal de originalidade, afinal de contas.

A minha vontade era escrever sobre The Terror na altura do segundo capítulo. Ali eu previ que sairia impressionada, mas segurei o entusiasmo porque aqui, no blog, já caí seguidas vezes no conto do ótimo piloto, ou do começo empolgante que depois revela um abacaxi. Por sorte, não cheguei a me decepcionar. O último episódio tem lá seus defeitos, alguém mais crica que eu seria capaz até de se frustrar, mas eu duvido que os últimos dois ou três anos, na televisão, tenham visto nascer uma história melhor a respeito de amizade, lealdade, integridade, das coisas que tornam as pessoas humanas e daquelas que fazem com que a gente perca de tudo isso de vista.

Essa foi, na minha opinião, a melhor série de fim de mundo que já apareceu na televisão porque ela mostra que não precisa de muito para o mundo desabar. Vou terminar com uma frase profunda: fica a dica.

Agosto pt. 2: The Night Of, O.J. Simpson, Minha Luta, Pedrazul, outras coisas menos nobres: de volta à programação normal.

Posso começar de onde parei? Não posso. Antes de entrar nas leituras do mês preciso terminar algumas coisas que eu deixei em aberto.

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Raspei o cabelo, agora sou malvadão

Nos últimos dias de julho eu falei sobre The Night Of, a série da HBO que está com final de temporada marcado para o próximo domingo. Eu disse, entre outras coisas, que o protagonista tinha uma super cara de bonzinho, e que, abre aspas para uma Talita um mês mais jovem, menos vivida e menos maltratada pela vida: “o seriado ainda não deu material suficiente para que se especule sobre os motivos do crime, ou sobre as motivações dos personagens principais, mas o pano de fundo político leva a imaginação longe”.

Pois é. Àquela altura eu tinha visto três episódios. O problema é que agora a cara de bonzinho do protagonista foi embora, porque a série decidiu que ele deveria virar meio bandidinho dentro da cadeia. Essa transição foi um pouco sem pé nem cabeça, apesar de, a princípio, fazer muito sentido. Faltando um episódio para o fim, pode ser que Naz seja o culpado e não tenha havido transformação nenhuma, ainda assim em The Night Of a sutileza é zero.  A tese é: por mais que alguém entre na cadeia como um inocente, jamais sairá de lá sem que tenha virado culpado de alguma coisa. Tudo bem, mas a gente sabe que ninguém vive de tese no mundo do entretenimento. Eu tive certa dose de razão em dizer que a cara de bonzinho não estava ali à toa, mas o que a gente conseguiu com a transformação em termos de complexidade? Bem pouquinho. A série tem roupagem e dinheiro de tevê de primeira, mas o espírito vai esbarrando mais e mais no policial rasteiro. Triste.

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Mais triste ainda é O.J.: Made in America, um documentário em cinco partes sobre a vida, a carreira e os assassinatos de O.J. Simpson. A parte boa é que o documentário é triste, mas é excelente. No começo do ano eu vi o piloto de American Crime Story: The People v. O.J. Simpson, aquela com o Cuba Gooding Jr. Fiquei com muita vontade de gostar, mas não deu. Até senti inveja de quem acompanhou com entusiasmo. A série ficcional acabou ganhando prêmios e tudo. Só que O.J.: Made in America é o melhor documentário em partes que eu já vi. Faz Making a Murderer parecer um trabalho de faculdade com cartolina e fita crepe. O seriado monta parte a parte o tamanho da relevância do caso para a questão racial norte-americana, ainda vê o crime em detalhes (sem nenhuma apelação ou queda pela morbidez) e esmiúça a personalidade de O.J. Simpson desde os tempos da faculdade até a véspera de sua prisão em 2008. No total são 450 minutos, e não dá para dizer que um deles foi mau gasto. Eu tinha até colocado um livro sobre o caso entre as minhas próximas leituras, mas acho que vou deixar para depois, tamanho o grau de complexidade dessa série documental.

Num plot twist de sangue de barata e falta de seriedade, por causa de O.J.: Made in America eu acabei revendo Corra que a polícia vem aí 33 e 1/3. Disso eu falei no texto anterior, não foi? Pois bem. Havendo tirado as séries de tevê do caminho, vamos às leituras.

Tem sido um mês de começos. O livro de agosto da meta dos 12 livros do ano é Um outro amor, o segundo volume da série Minha Luta, de Karl Ove Knausgård. Não cheguei nem na metade, mas devo terminar essa semana. Assim como todos os outros da meta de 12, vai ter resenha aqui. Posso dizer que esse segundo me animou mais do que o primeiro, mas vamos com calma. Também comecei Missoula, de Jon Krakauer, aquele livro que causou certo furor por tratar de uma onda de estupros numa cidade universitária dos Estados Unidos. Eu não pretendia escrever sobre ele, mas o livro é tão bom e tão cheio de argumentos que vai ser difícil deixar de fazê-lo.

A editora Pedrazul está tendo um 2016 espetacular, e pelo jeito eles são meio incansáveis. Eu comprei a edição deles de Esposas e Filhas, da Elizabeth Gaskell e, sério, o livro é muito lindo, rechonchudo, recheado. Quer dizer: é enorme, e eu mal comecei, pouco avancei, e ainda vai levar um tempinho. Mas a gana que eu tive para comprá-lo ainda está em mim para a hora de lê-lo. De onde estou, consigo enxergá-lo na estante e ele que me espere.

Um que eu terminei por esses dias, em ebook, foi Vocação para o mal, de Robert Galbraith, que todo mundo sabe que é a J.K. Rowling. Eu fico um pouco angustiada com isso, já que, poxa, todo mundo sabe agora. Qual é a do nome diferente? Como alguém que não andou no trem de Harry Potter a tempo mas andou um pouquinho, digo que, se Rowling estiver escrevendo romance policial sob outra alcunha com medo de arranhar sua reputação de autora milionária de série de sucesso comercial incomparável, ela pode ficar tranquila que o detetive Cormoran Strike e sua assistente Robin Ellacott – uma sidekick chamada Robin; boa sacada, hein – são dois dos melhores personagens que ela já fez. Vocação para o mal, ainda por cima, é o melhor dos três romances de Galbraith/Rowling até agora. O casal está mais shippável do que nunca (não Galbraith e Rowling, eu falo de Cormoran e Robin), os personagens parecem mais confortáveis porque já ganharam bastante estofo. Para quem chegou até aqui, Cormoran e Robin já têm vida, já dá para encarar uma situação e imaginar o que um dos dois faria diante dela. Espero que um quarto livro chegue logo, e acho que deve chegar porque, pelo jeito, J.K. Rowling não dorme.

claire contrerasFalando em ebook, eu terminei ainda Kaleidoscope Hearts, um romance new adult, de Claire Contreras, com um chove-não-molha irritante. O cara larga a moça, a moça toca a vida e fica noiva de outro, o noivo morre, aquele primeiro cara se reaproxima. Ele correndo atrás, ela se fazendo de difícil. Não posso dizer que esse livro me elevou espiritualmente, mas nada tenho a esconder, ok? Ok.

take me for grantedEm Take Me for Granted, de K.A. Linde, o bonitão é vocalista de uma banda daquelas que tocam em barzinho e em festa de universidade. Todas o amam, e ele nem aí pra ninguém, só querendo transar e passar para a próxima. Isso porque ele ainda não conheceu nossa mocinha que tem açúcar nas calcinhas. Quando ele a conhece e ela o ignora, pronto: ele se apaixona caninamente (como na frase “ficar como um cachorro atrás de alguém…”). Para falar a verdade, as situações nesse livro eram tão repetitivas que eu realmente não me lembro do que me fez terminar a leitura. Acho que não fui eu, acho que Pazuzu leu no meu lugar.

This-is-War-Baby-This is War, Baby, de K. Webster, era o que mais prometia. Começou de um jeito inusitado. A guria foi raptada pelo vizinho bonitão, com quem flertava inocentemente, e ele quase a matou. Ela ficou trancafiada num quartinho, sofreu as mais terríveis humilhações. O livro tem algumas cenas muito fortes, humilhações sexuais de revirar o estômago. Até que, claro, o mocinho aparece. Um cara obsessivo-compulsivo e germofóbico que compra a nossa protagonista num leilão (pois é, o cara malvadão raptou ela pra vender num leilão e toda a humilhação sexual grotesca era parte de um tipo de treinamento). Então, pois é, o mocinho comprou a mocinha num leilão frequentado por predadores sexuais. Ele é doido, portanto? Não. Ele é bonzinho. Ele não quer maltratá-la. Nesse ponto a história perde a graça. O começo foi bem bizarro e diferente, mas o fim trouxe a mesma coisa de sempre. Não tenho vontade de ler a continuação.

Acabei. Poxa, foi preciso recapitular tudo isso (no post anterior e neste) para conseguir perceber que eu não tinha visto ou lido nada digno de um texto inteiro. Quer dizer: na verdade todas essas coisas são dignas, sim, de um texto inteiro. Eu é que não tirei material para um texto inteiro de nada dessas coisas. Mas esse foi um formatinho muito gostoso de usar para não deixar a peteca cair. Aviso aos meus poucos e bons (e excelsos, divinos, sublimes, e TOPS!) leitores que nos próximos dias voltaremos à programação normal.

The Night Manager

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Tom Hiddleston está morando em Cairo, no Egito. Ele está lá, às vezes sendo gringo e imparcial nas manifestações pela retirada do presidente Mubarak em 2011, outras só quieto, cortês e discreto na recepção do hotel de luxo em que trabalha como gerente noturno. Uma mulher linda e misteriosa entra na vida dele. Por causa dela, ele vai tomar parte numa intriga envolvendo o serviço secreto inglês e um bilionário vendedor de armas, vivido por Hugh Laurie.

Se você está aqui ponderando se vale ou não a pena investir seu tempo para entretenimento em The Night Manager, adaptação do romance de John le Carré, eu acho que já no primeiro parágrafo eu citei duas coisas que devem pesar a balança para que você dê um jeito de começar logo: Hugh Laurie e Tom Hiddleston.

Quem dá chance para muitas estreias acaba vendo vários pilotos que não vão a lugar algum. De vez em quando eu me pego até envolvida com uma série nova, mas acontece de ela investir justo naquilo que eu não gosto. Outra coisa que ocorre bastante é ver que a produção tem suas qualidades, mas parece que faltou dinheiro para escalar atores que vão fazer diferença. Não falo só de um rosto conhecido, o que, claro, atrai muito público. Falo de conseguir atores que vão levar a experiência para outro nível. Hiddleston e Laurie, que são os nomes mais conhecidos desta minissérie produzida pela BBC, dão um peso tão determinante a The Night Manager que eu não sei nem imaginar o que seria da trama sem eles.

Laurie, que todo mundo conhece como o Dr. House, rouba a atenção toda vez que aparece. No segundo episódio você já esquece que aquele ali era o Dr. House e compra o personagem novo: poderoso, direto, inescrupuloso – são características que apareciam, às vezes, no personagem que marcou a carreira de Laurie, mas que aqui servem para criar um vilão dos mais carismáticos. Hiddleston é o mocinho forte, silencioso e ambíguo: ele é misterioso, fala pouco, mal revela suas intenções, mas mostra ter, sempre que a situação aperta, tantos recursos quanto um canivete suíço: tudo aquilo que fazia do personagem um bom gerente noturno vai ajudá-lo a se movimentar no mundo de espionagem em que ele se meteu. Sem Hugh Laurie e Tom Hiddleston as características desses dois personagens seriam transmitidas sem os sorrisos, acenos, expressões corporais. Os dois são magnéticos, para falar a verdade, e o elenco ainda conta com os excelentes Olivia Colman, Tom Hollander e Elizabeth Debicki.

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Falando em espionagem, minha intimidade com o gênero é pequena, mas acho que todos os elementos clássicos estão em The Night Manager: tem mulheres fatais, muitas viagens a lugares incríveis, personagens secundários com interesses misteriosos, tensão sexual, tensão por expectativa de violência, várias camadas de intriga, aquelas cenas em que o mocinho invade um cômodo e o espectador fica maluco com a iminência de que ele seja descoberto, tramoias, dinheiro, corrupção, mortes inesperadas.

Mas a minissérie não é perfeita. Algumas reviravoltas podem ser pressentidas com muita antecipação. A direção, a cargo de Susanne Bier, investe pesado em alguns vícios narrativos. Certas motivações não são lá um primor de verossimilhança, nem de complexidade. Só que tudo isso se dá num universo bem estabelecido de espionagem internacional, então eu meio que consegui comprar o pacote completo logo no segundo episódio. É preciso dizer que esse segundo é bem superior ao piloto, e que se a trama e as excelentes atuações não forem suficientes para segurar a sua atenção, as paisagens lindíssimas podem dar conta do serviço.

O que me conquistou, logo de cara, foi a calma com que The Night Manager se apresenta. No meio dos atropelos e protestos da primavera árabe, um hotel de luxo fica parecendo uma ilha de segurança, e na mão de muitos diretores isso poderia ser a desculpa perfeita para ação vertiginosa, explosões e pirotecnia, mas a minissérie parece não ver necessidade de perseguições espetaculares, tiro, porrada, bomba. Claro, aos poucos tudo isso surge, mas The Night Manager parece entender muito cedo que seu maior trunfo foi ter conseguido escalar gente que faz mesmo a diferença quando a câmera começa a rodar.

Só tem uma coisinha que fica martelando a minha cabeça desde o trailer: não é espantoso que Hugh Laurie esteja interpretando um vendedor de armas quando ele escreveu um livro chamado O Vendedor de Armas? Será que ele não fica chateado por não terem adaptado o livro dele?

Sobre o fim de Guerra e Paz da BBC

Se você ainda não começou a ver Guerra e Paz, da BBC, este texto não é para você. Eu dei as minhas impressões sobre o piloto da minissérie aqui, e parece que foi ontem que me impressionei com a beleza das paisagens e dos cenários dessa produção que acabou agora. Mas, se assim como eu, você também chegou ao último episódio, vem cá e vamos conversar. Ou melhor: vem cá e me abraça.

Em seis episódios, se não dá pra dizer que toda a intensidade do livro de Tolstói foi levada direto à tela, acho que é seguro afirmar que, caramba, foi intensidade suficiente para encher os olhos de lágrimas e deixar todo mundo pensando na vida. Na vida mesmo: do Andrei ferido na cama refletindo sobre amar incondicionalmente uma mosca à jornada iluminadora de Pierre como prisioneiro por uma Rússia gelada e invadida. E aqui estamos falando de dois dos personagens principais. O que pensar da abnegação de Sonya, do fortalecimento de Marya, da solidão de Helene, da tristeza do conde Rostov, da bravura louca do pai de Andrei e Marya, do povo russo que queimava cidades inteiras para não deixar nada para os franceses, da ambição de Napoleão, da fidelidade de uma cachorrinha?

Tudo isso estava na tela, embora nem sempre ganhando a atenção que todos gostaríamos. Duas, três ou oito temporadas provavelmente conseguiriam olhar com calma os detalhes que estão em Guerra e Paz, mas se eu disser que me lembro de muita coisa do livro, vou estar mentindo. Eu me lembro de sensações e de impressões sobre os personagens principais. Falei mais a respeito disso no primeiro texto.

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Foi muito bom poder ver os recursos – tanto financeiros como, sei lá, artísticos – da televisão de hoje em dia sendo aplicados a essa história. A prova de que a adaptação da BBC funcionou é que muita gente que não havia lido o livro conseguiu se conectar aos personagens: sentir raiva, shippar, torcer pela morte, essas coisas que a televisão desperta. Eu pude constatar isso nos comentários à minissérie no Filmow e, principalmente, no Banco de Séries.

O triângulo amoroso Andrei-Natasha-Pierre teve, naturalmente, mais tempo de tela do que todo o resto. Isso gerou uma reclamação, que eu achei meio nada a ver. Disseram (um artigo na The Economist, por exemplo)  que, fazendo as contas, essa versão de Guerra e Paz tinha muita paz. E que, pior que isso, a paz tinha só intriga de gente rica e romance quase teen. Não é verdade. A guerra foi importante para a minissérie. Prova disso é a atitude de Andrei quando encontra Anatole, um desafeto, depois de uma batalha. Na televisão, naquela hora, a guerra vira contraponto à paz e as intrigas e convenções sociais ficam pequenas. E outra coisa: uma adaptação é isso mesmo que a palavra diz, e se houvesse lá muito mais paz do que guerra ou se a guerra fosse de russos contra extraterrestres (vide Orgulho & Preconceito & Zumbis) não faria diferença. O livro ainda estaria lá, escritinho, para quem quiser ler, e as coisas que escreveram a respeito do livro ainda estariam lá, também, para se entender melhor o contexto de tudo.

Eu não acho válida essa reclamação, por isso eu trouxe outras. Elas podem ser tanto sobre a adaptação quanto sobre o que é o material saído do livro, e eu tenho certeza que alguém pode argumentar contra mim e me deixar no chão, mas pelo menos as minhas reclamações são minhas. Dizem que faz mal guardar essas coisas pra gente, então aqui vão elas:

-Sr. Tolstói, quer dizer que só a Helene adúltera que não ganha a redenção?

– Sr. Tosltói e senhor Andrew Davies, roteirista: e a cachorrinha, hein? Poxa! Dava para resolver isso, senhor Davies, nessas horas a gente não liga pra fidelidade ao livro.

– Srta. Lily James, a Natasha, e senhor Andrew Davies, roteirista, será que a Natasha era assim tão enjoadinha no romance? Eu me lembro de uma mocinha mais empenhada em ser uma boa pessoa e ajudar os outros, mas a minha memória é péssima.

-Sr. Paul Dano, o Pierre, e Sr. Andrew Davies, roteirista: eu acho que o arco do Pierre envolvia ele ir deixando, aos poucos, de ser muito bobão. Será que isso aconteceu na tevê? Não sei.

É isso. Não preciso nem dizer que valeu a pena. Tem mais uma coisa: vi no Banco de Séries uma menina perguntar se era só isso ou se teria uma segunda temporada. Cortaram as esperanças dela e contaram a verdade. Amiga, eu te entendo.

Olive Kitteridge

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Em quatro episódios, uma professora ranzinza meio que vai vivendo. Essa sinopse muito curta não anima ninguém a sair correndo para assistir Olive Kitteridge. Mas mais informações vão deixando a minissérie mais interessante. Tem a Frances McDormand como Olive, o Richard Jenkins como o marido dela, e uma participação excelente do Bill Murray; é uma realização da HBO; foi produzida, entre outros, pelo Tom Hanks, e é baseada em livro de Elizabeth Strout, livro vencedor do prêmio Pulitzer.

Sendo aquela a sinopse, eu não imaginei que fosse sentar na frente da televisão para só levantar mais ou menos quatro horas depois, marcando 5/5 no Filmow e 10/10 no Banco de Séries, e com vontade de chorar. Não me entenda mal: a vontade de chorar eu até já esperava. Confesso que até por isso me enrolei um pouquinho para assistir. Também esperava que a minissérie fosse muito boa: eu já sabia daqueles atributos que listei acima. Adoro McDormand, Jenkins (que, pra quem não liga o nome à pessoa, é o pai-fantasma de A Sete Palmos) e Murray, e os três, ainda por cima, ganharam Emmys por causa de Olive Kitteridge, que também levou o prêmio de melhor minissérie. Antes de ver eu não duvidava que fosse boa, mas não apostava, de jeito nenhum, que a história (eu vivo falando “história”, eu sei que o certo seria “estória”, mas me nego) fosse tão cativante – ou melhor: absorvente. Pois é.

A personagem de Frances McDormand não é só ranzinza. Às vezes ela chega a ser malvada. Em boa parte do tempo a minissérie acompanha o ponto de vista dela, daí é normal que a gente entenda esse jeito de ser. Richard Jenkins, como Henry Kitteridge, é o completo oposto da protagonista. Os dois vão esbarrando em situações propiciadas por uma vida absolutamente ordinária, e através desses acontecimentos vamos ganhando intimidade com ela e com ele. Na criação do filho, na convivência com as outras pessoas, na manifestação dos sentimentos: Olive e Henry têm abordagens diferentes para tudo. Diante das convenções sociais, ela tenta ser radicalmente sincera e ir direto ao ponto, para que todas as coisas supérfluas saiam do caminho; ele, por outro lado, tenta andar na linha das convenções, buscando fazer com que aquilo que é superficial e artificial num mundo todo engessado por regras – um gesto de gentileza, o ato de se importar com alguém – ganhe força e seja verdadeiro. Dou um exemplo: numa data que, a princípio, não tem ou não precisa ter significado, como o Dia dos Namorados, ele faz questão de elaborar uma declaração para que a marca não passe em branco. Para que seja mesmo um dia de namorados. Ela, do lado dela, parece fazer questão de não se importar meio que para denunciar a artificialidade da data, para escancarar aquele aceno em direção a uma felicidade que ela sabe que não existe. A questão é: ele também sabe que não existe, mas quer inventar. Essa invenção, aos olhos dela, é insinceridade e desonestidade.

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Depois do meu, esse é o cachorro mais lindo do mundo todo

Desta forma, Olive Kitteridge conta a história de duas pessoas que não foram feitas uma para a outra. Com a sinceridade brutal de Olive, Henry se machuca e é infeliz. Com a insistência inocente de Henry, Olive se irrita é infeliz. É claro que assim eu estou reduzindo muito os temas que a minissérie encontra, e até evito comentar as consequências de um relacionamento assim, porque ver a história se desenrolar vai te fazer pensar muito mais do que esse texto, mas acho que basta dizer que Olive Kitteridge é a história do amor na medida do possível.

Tem algumas pequenas subtramas na minissérie, e elas aparecem através de personagens secundários, mas acho que elas são uma maneira de jogar luz nesse eixo principal, que é o relacionamento de Olive e Henry. Eles têm um único filho, que vai acabar tendo problemas com a mãe – e talvez a reação deste filho ao comportamento radical de Olive seja uma boa mostra do despreparo contemporâneo para deixar de lado as convenções e ir direto ao ponto.

Quando Seinfeld terminou nos anos 1990, virou consenso afirmar que a sitcom mais bem sucedida e mais aclamada pela crítica era uma análise minuciosa das relações entre as pessoas, de todas aquelas partes dessas relações que não foram devidamente mapeadas e que são, portanto, território sem lei. Esse ponto de vista foi comprovado depois, quando Larry David – um dos criadores de Seinfeld – fez de Curb Your Enthusiasm a jornada de um homem ranzinza contra toda a ladainha (bullshit, digamos) do mundo. Olive Kitteridge, a personagem, é uma espécie de Larry David ou George Costanza. O que tem sua graça, mas é muito triste no fim das contas: basta a gente pensar que um cara como o Costanza e uma mulher como Elaine Benes vão, provavelmente, morrer sozinhos.

War & Peace – Guerra e Paz, da BBC

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A julgar por este episódio piloto, nesse ano vai ser difícil aparecer uma produção mais bonita do que esta de Guerra e PazWar & Peace, adaptação da BBC do romance de Liev Tolstói, com Paul Dano e grande elenco. Tudo estava bonito: as externas, as roupas, as luzes nos interiores, que conseguiam sempre distinguir quem é riquíssimo de quem é rico e quem é rico de quem é remediado. Tudo muito bem filmado, e ao mesmo tempo feito de um jeito bem discreto para que nada interfira na história, que eu acho que é de conhecimento geral, mas não custa: estamos em 1805, na Rússia, e Napoleão está prestes a invadir o país, e aí as transformações que isso causa vão ser vistas através de vários núcleos interligados – os personagens são gente da nobreza russa e seus agregados. 

Pois bem. Faz quase 150 anos que o mundo conhece esses personagens, o que é tempo suficiente para todos os spoilers terem vazado, e eu até, na teoria, teria condições de dar spoilers para todo mundo porque eu li o livro de em 2005 ou 2006 mas…veja bem, como dizia aquela comunidade do orkut “Quem é Alzheimer vive em dobro”. Eu não me lembro de praticamente nada. Só de lugares, sensações, e da simpatia que eu sentia por alguns personagens. Eu me lembro mais do Pierre e do Andrei, acho que os dois eram idealistas, mas cada um pensando de um jeito. E olha: eu acho que na tradução que eu li eles eram Pedro e André.

Portanto, eu não sei exatamente o que vai acontecer com eles e acho que isso é muito bom para quem vai começar uma série, e, como eu acredito que cada um pode ter a experiência de uma série/ou livro/ou filme ou o que seja/ do jeito que quiser (ou do jeito que chegar), eu tenho que dizer que acredito, sim, em spoilers mesmo quando a história é consagrada e todo mundo a conhece.

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Assistindo a esse piloto, eu olhava tudo e pensava: será? será? acho que não, acho que não era assim. Uma entre essas coisas que eu achava que não eram bem assim é o Pierre. Pierre é o mocinho principal, se eu não me engano ele é até um tipo de alter ego do Tolstói. Nessa versão da BBC ele é interpretado pelo Paul Dano. Posso estar errada, ou devo estar errada, mas não lembro de o Pierre ser tão bobo quanto ele parece ser agora na tevê mas, perceba: já que eu esqueci de praticamente todo o livro, eu tenho é agora que me livrar dele e esquecê-lo completamente: se ele não era bobo na versão original, agora ele é. E é muito.

Como filho bastardo de um conde, Pierre herda uma fortuna meio inesperada, e fica também, se eu entendi direito, com o título de conde. E aí, ele que era até estabanado, feio (eu até acho o Paul Dano bonito, mas ele está ali para ser feio) e impopular vira um partido muito bom. Com alguns acenos para outros personagens importantes, essa é a história que o piloto conta. Pierre virou o jogo – sem querer, porque se fosse depender da esperteza dele… – e agora é muito rico. O dinheiro, como era de se esperar, atrai pessoas ruins e aí tem todo um elenco ótimo de personagens secundários ali prontos para fazer o telespectador passar raiva.

Do ponto de vista de quem só viu um episódio, esse parece ser um dos trunfos dessa versão de Guerra e Paz. Se o livro tinha intrigas, gente rica nojenta e sedenta por poder e dinheiro, essa adaptação da BBC só faz amplificar essa impressão. Acompanhando o ingênuo Pierre no meio de um monte de gente esperta, eu tive uma sensação de sufocamento. Acabei o piloto um pouco angustiada e aflita, e acho que esse sentimento indica que a série soube falar com alguém que quer ser entretido pela televisão. Está aí uma notícia muito boa para quem até queria ver a série, mas, de repente, como é muito comum, ficou um pouco intimidado pelas palavras gigantescas que acompanham Guerra e Paz: “épico”, “obra-prima”, “fundamental”, “literatura séria”.

Hoje em dia tem muita produção boa na televisão, mas a coisa mais gostosa disso tudo é que a melhor tevê continua sendo tevê. Nessa versão de Guerra e Pazvocê vai encontrar atuações muito boas, personagens cativantes – por exemplo: eu que sou boba adorei esse Pierre -, interiores e exteriores de cair o queixo e, se eu me lembro um pouquinho do romance, pelo menos um casal muito muito shipável. É prazeroso lembrar que boa parte disso tudo já estava num livro que roda por aí há quase 150 anos.

Making a Murderer

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Uma evidência de DNA tira da cadeia um homem injustamente condenado por estupro. Steven Avery cumpriu 18 anos de pena por um crime que não cometeu. Essa história, sozinha, já é capaz de colocar muita gente em frente à televisão. Só que Making a Murderer, que chegou à Netflix recentemente, é uma série documental tão cheia de reviravoltas, e trata de um caso tão intrincado e complexo, que defini-la acaba se tornando uma tarefa muito complicada. Pior que isso: se é difícil dizer do que a série trata em 140 caracteres, ter uma opinião sólida a respeito do caso, depois dos 10 capítulos cada um com quase uma hora, é quase impossível.

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Steven jovem na sua primeira condenação

Vale a pena dizer, logo no começo, que se você deixar de ver Making a Murderer vai perder uma das coisas mais interessantes que a Netflix já fez em seu esforço para dominar o mercado de streaming e tirar, de vez, a televisão do aparelho de televisão. A Netflix tinha produzido documentários sobre temas tão distintos como o mercado americano de pornografia e a vida da cantora Nina Simone, mas, pelo menos entre as coisas que eu pude acompanhar, ainda não tinha feito nada tão absolutamente televisivo. Deixa eu me explicar: Making a Murderer tem aquela cara de produção de TV a cabo, dessas que você esbarra na tarde de um feriado e que te fazem ficar pensando: “meu deus, americano é tudo maluco, olha o tipo desse crime”.

Você pode ter certeza de que alguma coisa perto dessa última afirmação vai passar pela sua cabeça. A série começa com Steven Avery saindo da prisão em 2003. Exames possibilitados por novas tecnologias conseguem colocar outro homem na cena do crime: o espancamento e  estupro de uma mulher, Penny Beerntsen, em 1985. Fica comprovado que Steven não foi o responsável no caso de Penny, e ele sai da prisão abraçado por parentes e amigos, e com a benção da opinião pública. Mas o departamento de polícia da cidadezinha em que a família de Steven morou a vida inteira não tem nada a comemorar. Seja por negligência, incompetência ou mesmo má fé, os policiais passaram longe dos procedimentos e métodos recomendáveis para lidar com o caso em questão. Assim, logo após deixar a prisão, o antigo réu processa o estado.

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Esse é o ponto de partida e o lugar aonde você chega na primeira meia hora de Making a Murderder. Ou melhor dizendo: até aí, não tem spoiler nenhum – se é que é possível ter spoiler numa história real, mesmo que seja uma desconhecida por quem está assistindo. O que acontece depois de assentadas as informações básicas é que é de deixar todo mundo boquiaberto. Bom, deixa eu falar por mim: eu fiquei boquiaberta, não conhecia nada do caso. Fiquei num grau de perplexidade absurdo quando descobri o que você, a essas alturas, tendo vindo até aqui, já deve saber. Acontece um assassinato. Ossos de uma jovem desaparecida são encontrados no terreno de Steven – um ferro velho enorme, que está na família dele há gerações. Pior: aparentemente, Steven foi o último a ver a moça com vida. A partir daí, a opinião pública se volta contra ele. É nessa parte que Making a Murderer encontra sua questão mais forte: Steven Avery é um abusador e assassino frio, ou todo o departamento de polícia participa de um complô para condená-lo e não arcar com as responsabilidades pelos erros do passado?

A opinião das realizadoras (sim, são duas mulheres \o/) nos leva claramente para a segunda opção. Nessa hora é necessário entender a natureza desta produção. Estamos falando de uma série documental que tem uma causa: ver um caso real sob uma outra perspectiva. Quem já assistiu aos documentários sobre os crimes em West Memphis, ou quem já viu Na Captura dos Friedman, está acostumado com esse tipo de abordagem: as informações levantadas têm sempre a intenção de contestar as versões oficiais, e isso, do ponto de vista do espectador, deixa aquela sensação de que não estão te contando a história inteira.

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Steven atualmente

Em Making a Murderer essas lacunas incomodam. São muitas perguntas sem resposta, muitos desvios de atenção, muitas perguntas que a produção se recusa a fazer. Assim, pelo menos no meu caso, foi necessário pensar nos objetivos das realizadoras para não me irritar completamente e desconsiderar a série. Elas pretendem fazer um contraponto à opinião generalizada de quem já conhecia o caso, e com isso querem tirar Steven da prisão – pois é, ele está preso até hoje, foi julgado e condenado após apenas dois anos em liberdade. Por causa desse objetivo, coisas que eu queria ver (e provavelmente não vou estar sozinha) não estão lá. Um exemplo: a personalidade do réu. Ele é um sujeito complexo, com histórico de violência, detestado por alguns familiares, tem QI abaixo do normal, não usa cuecas (ficamos sabendo disso no momento mais engraçado da série inteira) e isso é basicamente tudo o que sabemos sobre ele. Uma cidade inteira o odeia e já parecia odiá-lo muito antes dos crimes. Por quê?Ficamos sabendo por alto, em informações mais ou menos genéricas.

Para encurtar um texto que vai ficando maior do que eu esperava: Making a Murderer vai tomar as suas horas livres, vai ser difícil não maratoná-la. Trata de um desses casos estrangeiros que fazem o mundo inteiro ficar parecido com o Brasil. Lá também tem corrupção e má conduta policial, pobreza, tristeza e falta de perspectiva. E, assim como no Brasil, também há personagens interessantíssimos. Os que vemos nessa série documental muitas vezes parecem saídos diretamente de um filme americano do tipo “crime e tribunal”. Tem a vítima jovem, bonita, com uma vida inteira interrompida; tem o réu ambíguo e misterioso; os advogados idealistas; os repórteres desumanos e ambiciosos; os parentes que fazem sacrifícios e parecem ter uma fé inabalável. Tudo isso está lá e, assustadoramente, com parcialidade ou não, é tudo verdade.

Flesh and Bone

Sempre me interessei por musicais, filmes e séries com dança. Quando eu vi a sinopse de Flesh and Bone eu sabia que ia precisar assistir. É uma minissérie com oito epísódios, criada por uma das produtoras de Breaking Bad, Moira Walley-Beckett. A trama gira em torno de Claire, uma garota do interior, que depois de passar por alguns problemas, resolve voltar ao balé. Ela consegue entrar para uma prestigiada companhia de dança em Nova Iorque, e aí a história começa. Pelo clima no trailer e pelo canal que ia exibir, o Starz, eu pude imaginar uma produção mais séria. 

Mas admito que mesmo achando que a minissérie tinha tudo para ser mais sóbria, a ideia de um enredo mais “Disney” me passou pela cabeça. Afinal, a Disney adora esse tema, parece até que eles patentearam dança e balé. Eu não podia estar mais enganada. Flesh and Bone passa muito longe de algo para toda a família.

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Preciso dizer aqui que vou soltar alguns spoilers leves, que talvez façam você se interessar e assistir, se ainda não foi o caso. No primeiro episódio, Claire consegue a vaga na companhia de balé do Paul Grayson – e talvez aqui entre o único clichê, Paul é o professor tirano. O início engana um pouco, pois Claire nos faz pensar em uma menina tímida, que não sabe viver neste mundo cruel e competitivo do balé. Parece que a história será a de uma menina com grande potencial que ainda não sabe disso, e que vai conseguir crescer depois de muitos tropeços. Mas o clichê parou ali atrás. Não tem nenhum tropeço para Claire, pelo menos não no mundo do balé. Ela já está pronta. Em nenhum momento ela vai errar um passo ou não conseguir fazer algo da coreografia. Flesh and Bone não trata disso, não fala exatamente do mundo da dança. Fala apenas de Claire. Dá pra notar isso quando ela vai fazer o teste, e não a vemos dançando: a câmera se concentra apenas no rosto de Paul, e em como ele se transforma vendo a performance da novata. É como testemunhar alguém assombrado diante da perfeição.

Além de ser excelente no que faz, Claire é uma boa pessoa. Durante os oito episódios, temos alguns exemplos disso – não são muitos, mas estão lá. O que acontece é que ela tem sérios problemas, e isso dá pra notar desde o começo. Rapidamente descobrimos o motivo e percebemos que ele tem nome: Bryan, o irmão dela. Um irmão que a princípio não sabemos se é um abusador ou se chega a viver um romance incestuoso com Claire. Essa relação no mínimo bizarra é o motivo de tanto retraimento.

Mas ao longo da minissérie, a protagonista nos confunde. Sim, Bryan é um abusador. Sim, os irmãos vivem uma relação incestuosa. Será Claire apenas uma vítima? Não sei. O que eu sei é que Claire não se sente uma pessoa sem a presença do irmão, mas ao mesmo tempo ela se odeia cada vez que está com ele. Em um dos últimos episódios, conseguimos entender um pouco o silêncio da protagonista, e também a sua solidão.

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No fim das contas, acho que fazia muito tempo que eu não via algo tão triste na televisão. Bryan é triste, Claire é triste, Paul também é muito triste, todos os personagens secundários são tristes e solitários. Parece impossível escapar desta solidão, não importa o tipo do problema. E esse tipo de exílio é representado e transparece na dança, principalmente para Claire. Sua perfeição no balé vem de todas as deficiências da sua vida. Quanto mais destruída ela fica, mais ela abraça a totalidade da dança.

Recomendo muito Flesh and Bone, mas apenas se você estiver em um bom dia. Um dos espisódios me deixou tão abatida que eu quase precisei abandonar.  No último capítulo, porém, quando finalmente vemos Claire dançando como primeira bailarina, muito desse peso vai embora e fica claro que a série vale a pena. No fim das contas, independentemente da natureza da relação dos dois, Clarie e o irmão são como carne e osso: um é a substância do outro.