The Terror é a melhor história de fim de mundo que já apareceu na TV

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Eu já vi muito seriado na minha vida – um número que até constrangeria pessoas com um pouquinho mais de noção – e posso dizer que sei reconhecer um clássico instantâneo quando esbarro em um. Quem não assistir a The Terror, da AMC, vai perder um dos grandes momentos da televisão nos últimos anos, com algumas das atuações mais comoventes que eu já vi em qualquer mídia.

Desculpa, me empolguei. Eu não sei se a série foi divulgada com alarde ou não, o que sei é que fui pega de surpresa. Baseada no livro de Dan Simmons, temos a história real da expedição de John Franklin, que partiu da Inglaterra vitoriana para encontrar a passagem que liga o oceano Atlântico ao Pacífico acima do Circulo Polar Árctico. Franklin e seus mais de 100 tripulantes partiram em dois navios, em 1845 e… jamais voltaram. Viraram lenda, motivando dezenas de outras viagens em seu encalço. O livro e a série ficcionam a expedição. E quando eu digo ficcionam eu me refiro a um pacote mais que completo. A história não é contada como poderia ter acontecido, nada disso: não demora e um monstro meio urso, meio demônio coloca a vida dos homens em risco, como se não bastassem o frio, a fome e as doenças.

The Terror é perfeita por diversos ângulos. A produção é daquele tipo que recria a época na medida certa, nem a mais nem a menos, sem pretensão de ser um fim em si mesma. Isso inclui os figurinos e cenários. A direção é precisa, nem sempre sutil ou no mesmíssimo tom, mas sem jogadas mirabolantes para fingir profundidade ou passagens arrastadas para duvidar de nossa inteligência. Mas se The Terror tem um aspecto irrepreensível este é o desempenho de todo o elenco. Não consigo me lembrar de uma exceção.

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Os três personagens principais são atores entre aqueles rostos que a gente se acostuma a ver, mas que nem sempre consegue lembrar de onde os conhece. Aqui, eles brilham. Tem Jared Harris, que tinha feito um dos coadjuvantes mais humanos de Mad Men; Tobias Menzies, que tem um papel nanico em Game of Thrones mas chamou a minha atenção pelo que fez em Outlander; e tem o veterano Ciarán Hinds, que é o Mance Ryder, também de Game of Thrones. Além deles, há Adam Nagaitis, que é um vilãozinho do capeta, um ator que me deixou com vontade de levantar do sofá e partir para a agressão física, que nem aquele homem com um capacete que invadiu uma versão teatral da Paixão de Cristo. Apoiados por gente que, pelo que me pareceu, mantém o mesmo nível, esses quatro atores mostram aquela capacidade de manter o olho da gente colado na tela, independentemente do texto.

E olha que o texto é bom pra caramba. Não li o livro, não o conhecia, nem sabia da existência de Dan Simmons, que, fui descobrir depois, é um autor bem badalado quando o assunto é ficcção histórica, mas os roteiros baseados no livro são do tipo que consegue contar várias histórias com o mínimo de pirotecnia, com aquelas sacadas que, ou dão vontade de chorar, ou despertam uma pergunta bem profunda lá no meio da cabeça. Além disso, uma das coisas mais gostosas de se envolver com um filme ou série é a possibilidade ter as expectativas frustradas, de se enganar a respeito do que vai acontecer e como – isso tudo The Terror faz sem render-se completamente ao espírito do tempo, o que é um sinal de originalidade, afinal de contas.

A minha vontade era escrever sobre The Terror na altura do segundo capítulo. Ali eu previ que sairia impressionada, mas segurei o entusiasmo porque aqui, no blog, já caí seguidas vezes no conto do ótimo piloto, ou do começo empolgante que depois revela um abacaxi. Por sorte, não cheguei a me decepcionar. O último episódio tem lá seus defeitos, alguém mais crica que eu seria capaz até de se frustrar, mas eu duvido que os últimos dois ou três anos, na televisão, tenham visto nascer uma história melhor a respeito de amizade, lealdade, integridade, das coisas que tornam as pessoas humanas e daquelas que fazem com que a gente perca de tudo isso de vista.

Essa foi, na minha opinião, a melhor série de fim de mundo que já apareceu na televisão porque ela mostra que não precisa de muito para o mundo desabar. Vou terminar com uma frase profunda: fica a dica.

O Exorcista: segunda temporada é muito melhor que a primeira

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A primeira temporada de O Exorcista foi uma confusão tão grande que quase fez o demônio pedir as contas e ir embora. Eu também cheguei a desistir já no episódio piloto, mas alguma coisa, algum poder sobrenatural (ou uma quedinha por entretenimento de baixa qualidade…) enfiou na minha cabeça a disposição para dar uma segunda chance à série e, sei lá quanto tempo depois, aqui estou eu, animada o bastante para falar que a segunda temporada (na altura do quarto episódio quando escrevo) encontrou um caminho promissor, conseguiu se livrar de boa parte do entulho que atrapalhava a primeira e fez valer a minha paciência.

Para quem não acompanhou, O Exorcista não é uma adaptação do filme ou do livro ao formato seriado para televisão. O filme de William Friedkin ficou no passado. A primeira temporada acompanhou uma família afligida pelo mesmo mal que se alojou na menina Regan nos anos 1970, mas a história é atual. Bom, para falar com sinceridade: a história não tem nada a ver com o material original – só que, para a minha surpresa, isso não é um defeito. Ter que voltar à fonte e fazer as conexões com o passado é o que atrapalha a temporada. Por boa parte dos episódios as referências ao filme clássico não passam de uns acenos visuais aqui e ali, até a hora da grande reviravolta, que é quando a gente percebe que, pois é!, a série se seguraria melhor sem precisar costurar, remendar e fazer de tudo para tentar carregar o nome “O Exorcista”.

Mas os dois ou três últimos episódios da primeira temporada já anunciaram o que viria pela frente. A verdade é que O Exorcista é uma antologia que tenta misturar Supernatural com American Horror Story com um tiquinho assim de The Vampire Diaries. Os padres Marcus Keane e Tomas Ortega são personagens que jamais caberiam no universo do filme original. Mas o demônio também mudou. Se antes ele queria a destruição pela destruição, agora o mal faz planos e conspira pelo controle da humanidade. Há uma seita demoníaca dentro da Igreja Católica e não faltam rituais, tramoias e emboscadas. Fiel ao estilo das séries que a inspiraram, O Exorcista coloca os padres no meio da ação. As batalhas não são apenas espirituais e os servos de Deus não raro caem no soco, apontam armas e participam de perseguições automotivas. Vale tudo para salvar uma alma pois o embate entre o bem e o mal é uma guerra declarada.

As intrigas do grupo satanista no seio do Vaticano são o fio condutor entre as duas temporadas. A segunda, que começou no finzinho de setembro, trouxe uma penca de gente nova e uma outra entidade a ser combatida. As novidades só fizeram bem. Em vez de uma tentativa toda atrapalhada de encaixar a série nas rédeas da mitologia original, O Exorcista agora tem uma história própria com um monte de elementos mais ou menos fresquinhos.

Andy Kim – interpretado pelo subestimado John Cho – é um sujeito bacana e sobrecarregado que cuida sozinho de um lar para jovens que perderam a família. Eles vivem numa ilha bonita, isolada e um pouco macabra. A mulher de Andy morreu num incidente mal explicado, um suicídio até que se prove o contrário. No primeiro episódio, coisas estranhas estão acontecendo e as crianças estão inquietas. Enquanto isso, os padres estão em outro lado do país levando a vida normal daqueles que combatem as forças das trevas, isto é: sequestrando uma endemoniada e caindo na porrada com o marido caipira dela e os amigos caipiras dele.

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Acho que vale a pena dar uma chance a essa série, mesmo se você não teve paciência para Geena Davis e companhia na primeira temporada. Algumas surpresas estão dando as caras. Um exemplo: no S02E04, pela primeira vez, eu fiquei até arrepiada de medo. Diminuíram os esforços de conversar visualmente com o filme clássico, mas a ação ininterrupta da temporada inicial deu lugar a um passo mais lento, e por isso mais capaz de assustar. O terror agora se inspira em coisas como Invocação do Mal e Sobrenatural e tem uma trama que, a princípio, lembra um pouco a de Annabelle 2.

Até agora pouca coisa aconteceu. Claro que o vulnerável Andy Kim e suas crianças mais vulneráveis ainda vão cruzar o caminho dos padres, claro que o mal vai encarnar em alguém; mas um ponto positivo, a essa altura, é que não se pode prever muito do que acontecerá daqui em diante. Eu ainda tenho muitas perguntas. Esse demônio isolado na ilha faz parte do grande plano satanista? Como? Os padres vão ter que exorcizar quem? Cadê o interesse amoroso do padre Tomas Ortega, aquela chatinha que se arrastava nele? Será que mais alguém está shippando os dois padres? Será que isso é considerado pecado?

Get Out – Corra! (mentira, não corra:o filme é bom)

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Get Out é muito legal. De uns tempos para cá ficou difícil repetir aquela ladainha de que falta criatividade aos filmes de terror/suspense, já que surgiram vários memoráveis nos últimos anos, mas não dá para negar que o gênero investe muito em nostalgia, referências, homenagens e todas essas coisas que deixam, às vezes, um filme novo com cara de produto reciclado. Não é o caso aqui. Get Out tem o esqueleto obrigatório do suspense, mas encontra um ponto de vista particular.

Imagine que você tem um relacionamento de quatro meses e agora vai conhecer os pais da namorada  ou namorado, em um fim de semana em que você vai dormir na casa deles. Para piorar, você vive num país em que a proibição ao casamento inter-racial, dependendo do estado, era comum na geração de seus avós e muito recente na de seus pais. Vocês formam um casal inter-racial. Você é a parte mais discriminada da história. Essa é a premissa do diretor e roteirista Jordan Peele.

Quando Get Out introduz Chris Washington, vivido por Daniel Kaluuya, o rapaz está fazendo as malas com uma expressão preocupada. Chris quer saber se a namorada contou aos pais que ele é negro. Ela diz que não e que isso pouco importa. Diz que eles são democratas, eleitores de Obama, que têm pavor de racismo e jamais se oporiam a uma pessoa por conta da cor de sua pele. Só que Chris é escolado – e isso é um dos pontos mais legais do filme,  que é conduzido pelos olhos de seu personagem principal. Percebemos logo que ele não vê o mundo com o otimismo de sua namorada, que qualquer discriminação que venha a sofrer não será a primeira e que, na opinião dele, um branco americano de classe alta pode ser racista e eleitor de Obama ao mesmo tempo. Chris não precisa dizer nada disso porque a câmera acompanha suas expressões e reações em todos os diálogos, do começo ao fim. Então é com uma espécie de resignação pessimista que ele parte para a casa dos pais da namorada. Faz isso por ela, apesar da própria vontade; faz porque aposta no relacionamento.

Já que o filme segue Chris em tudo, é claro que ele estava certo. Não demora e a gente percebe que a família da namorada é racista, sim. Só que racista, ali, todo mundo é. O maior problema desse pessoal é ainda mais complicado: a família vai parecendo mais e mais bizarra, e logo Chris começa a temer por sua segurança. Daí em diante, Get Out fica divertidíssimo, um filme sóbrio e dono de uma atmosfera sufocante, e que, ao mesmo tempo, não perde certa veia de comédia de costumes. Ele retrata relações sociais em um país que não conseguiu resolver sua desigualdade e as contradições que brotam dela, sem deixar de ser uma espécie de depoimento pessoal. Por isso, por ter um olhar particular sobre a questão racial americana, Get Out não esbarra no discurso político já pronto para agradar uma plateia de adeptos, bem ao contrário: o filme é muito contundente quando satiriza o racismo justo por não fazer concessões. É como se a premissa tivesse nascido de um comentário levado ao extremo: e se o terror que é conhecer os pais racistas de uma namorada fosse interpretado literalmente e virasse terror de verdade? Jordan Peele nunca se afasta desse ponto de partida.

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Mas o mais legal nem é isso. Para contar o que é mais legal eu vou precisar falar um pouquinho mais do que acontece quando Chris chega à propriedade dos pais da namorada e, para ser sincera, eu acho que saber desses detalhes vai piorar a experiência de quem ainda não assistiu ao filme. É que tem um certo desafio em saber exatamente o que vai acontecer, e o desafio é levado a sério, ou seja: Get Out é mesmo um filme de suspense em que o desenrolar tem importância. Fica o meu aviso, então, de que daqui em diante o texto contém spoilers até que grandinhos.

Pois bem. Os pais da namorada são traficantes de pessoas. O que eles fazem é sequestrar um afro-americano, fazer nele uma lavagem cerebral e leiloar seu corpo a uma clientela formada por brancos ricos. A mãe da menina é psiquiatra, sua especialidade é deixar as vítimas com a mente oca; o pai é neuro-cirurgião, e quando ele encontra um afro-americano com as características que um cliente quer, ele prepara uma cirurgia de transferência de uma parte do cérebro do cliente ao corpo da vítima. Com que finalidade? Ah, sim, transfere-se a consciência de alguém em vias de morrer para o corpo de um americano negro no auge da forma. Essa foi a metáfora que Jordan Peele encontrou para tratar das contradições de um país racista que não deixa de consumir a cultura negra com voracidade. No filme, os negros que tinham recebido o transplante de um cérebro branco perdiam todas as marcas da identidade afro-americana. Vocabulário, roupas, costumes, gostos: na cabeça das vítimas só sobrava uma lembrança distante de quem foram. Eu deixo toda a discussão que isso desperta para alguém que tenha mais familiaridade com os Estados Unidos do que eu (e aproveito para recomendar o documentário vencedor do Oscar, O.J.: Made in America), mas não dá para negar o tamanho da bola de neve que uma premissa dessas pode formar.

Antes de terminar eu queria falar de três coisas. Duas razoáveis e uma besteira muito grande. Razoáveis: (1) Jordan Peele, que é ator e comediante, estreou na direção com uma firmeza que só perde para aquela do sujeito também novato que dirigiu A Bruxa, no ano passado; (2) a julgar por seu desempenho em Get Out, Daniel Kaluuya, que esteve em Black Mirror, tem muito carisma e é um nome para todo mundo guardar. Agora, uma besteira muito grande: Jordan Peele, que dirigiu e também roteirizou Get Out, é casado com Chelsea Peretti, aquela de Brooklyn Nine-Nine e das comédias stand-up. Alguém tem coragem de chegar nele e perguntar se a família dela é assim horrível? Nessas horas faz falta uma Fabiola Reipert.

A Bruxa – The Witch

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Crédito da imagem: mattrobot.com

Quem não gostaria de viver deliciosamente? Thomasin tem uma vida de trabalho ininterrupto. Quando não está ocupada com as tarefas de uma colona na Nova Inglaterra do século 17, ela tenta expiar seus pecados. Puritana, a família dela não vive em situação fácil: os pais são recém chegados em terras americanas – a ponto de as crianças se lembrarem da Inglaterra -, acabaram de ser expulsos da colônia que os abrigava em uma comunidade e estão, agora, isolados do mundo à beira de uma floresta enorme e desconhecida.

Eles têm uma quantidade razoável de problemas: além de não dar trégua, o trabalho é infrutífero. Thomasin, seus pais e seus irmãos estão prestes a passar fome. A terra é ruim, a casa é frágil, os dias são cinzentos e silenciosos. Quando Thomasin, que é adolescente e já não parece ter lugar nessa família, senta para rezar ela tem em mente que o caminho do pecado leva o cristão a Satanás. E ela se sente culpada e pecadora por não gostar dessa vida de trabalho e sem gozos. A gente sabe o que acontece porque a gente viu no trailer: um irmão mais novo de Thomasin, ainda bebê, some ou quase literalmente evapora diante dos olhos dela, e sem explicação razoável. Claro, para essa família puritana, embora o pai insista sem convicção na hipótese de um lobo, um sumiço assim só pode ter sido obra do Mochila-de-Criança.

Agora, a coisa mais legal do filme inteiro, e o que pra mim foi o grande mérito do diretor Robert Eggers: não é porque você é um fanático religioso que Satanás não vai estar, realmente, atrás de você. (Cuidado, a partir daqui eu não consegui controlar os spoilers). Eggers poderia ter realizado um filme realista sobre família, educação e paranoia religiosa com um distante pano de fundo sobrenatural. Há centenas de filmes de terror que jogam com a ambiguidade: será que isso é um efeito psicológico ou é coisa do diabo? Sobrenatural ou humano? Não só estamos acostumados a isso, como público, como esse nem é um recurso ruim. Nesse gênero, tudo depende da atmosfera, das atuações e da capacidade de tirar o espectador da zona de conforto. Eggers, porém, em sua estreia na direção, resolveu pegar um caminho ligeiramente diferente, o que só fez bem ao filme: não há ambiguidade, e o suspense não é apenas um jogo de mostra-esconde.

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Quando o bebê some, ainda que a família não saiba o que aconteceu com ele, o filme nos mostra: uma carcomida mulher da floresta, nua e velha, roubou a criança e a matou para fazer um unguento. E isso acontece nas sequências iniciais. Desde aí ficamos aflitos com o que pode acontecer a essa família: eles começam uma caminhada rumo à insanidade, é verdade, ameaçados pelas próprias convicções e pelas condições em que vivem mas há, sim, uma entidade maligna espreitando seus passos.

O que mais impressiona em A Bruxa – além de ser lindo visualmente e ter excelentes atuações – é a precisão com que o filme resolve tratar de seus temas. Não tem espaço para dispersões ou construção de suspense ou personalidade que não diga respeito ao eixo principal. Nada fica fora de lugar. Se alguém me perguntasse do que trata o filme, assim na lata, precisando de uma definição de almanaque, eu diria se tratar de um conto sobre a norma e os desvios da norma. A norma, que é trabalhar e servir a uma ordem familiar que não parece trazer benefício individual, e o desvio da norma, que é viver livre, deliciosamente, sem preocupação com os efeitos disso na vida dos outros. A adolescente Thomasin não sabe que tem essa segunda opção, e nem teria se estivéssemos falando do lugar e do tempo em que ela se encontrava. Não tinha para onde fugir, estava condenada a uma vida de trabalho e submissão. Nesse sentido, o desvio da norma em A Bruxa oferece uma chance de emancipação quando Eggers resolve assumir, de vez, que o filme é uma fábula.

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É assim que surge a grande estrela dessa produção: o bode preto Black Phillip. Eu quase me distraí da história por conta da fofura desse bichinho, que na verdade está na tela para representar a tentação de tomar outro rumo, a possibilidade de um caminho diferente. Black Phillip passa o filme todo ali, animal de fazenda, perturbado pelas crianças mais novas. Mas no fim – como você já deve saber, porque eu não acho que você chegaria até aqui sem ter visto o filme – Black Phillip é o capeta em forma de bode preto. Não fica subentendido, sugerido, ambíguo: ele fala, ouvimos a voz dele e o que ele tem a oferecer a Thomasin: você gostaria de sentir o gosto da manteiga? de um bom vestido? de viver deliciosamente?

Claro, quando ele se revela mais do que um bode bravo, todos os acontecimentos do filme ganham outra dimensão: então ele ficou fazendo a cabeça das crianças, enlouquecendo aos poucos o pai e a mãe, amaldiçoando a colheita, invocando uma bruxa, ficou fazendo tudo isso para conseguir seduzir Thomasin para seu séquito ou para, como diziam no Hermes & Renato, tirá-la “do seio da família e colocar na teta da maldade”? Sim, foi isso. A Bruxa não deixa de ser um conto sobre uma jovem e o que ela teve que enfrentar para fazer prevalecerem suas vontades. Ninguém vende a alma a contragosto. Claro, acho que nenhuma de nós quer sangue de criancinha para fazer unguento, mas que a voz do bode era sedutora é inegável.

O Hospedeiro – The Host – Gwoemul

A sinopse é a seguinte: uma substância claramente tóxica é despejada num rio de uma cidade da Coréia do Sul. Assim um monstro totalmente mutante é criado, e claro, ele começa a atacar a cidade. Um filme oriental com monstro: eu já imaginei uma mistura de filme pastelão com efeitos toscos. Que mais linda e bela grata surpresa que eu tive. Estava totalmente enganada.

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Não presto atenção às sinopses, mas por ser um filme oriental contemporâneo o meu preconceito imperou. Só que este fugiu do esteriótipo que meu limitado conhecimento de filmes coreanos criou. Mais um filme ótimo que eu vejo em uma sequência perfeita de filmes bons que eu tenho visto.

Mas eu só falei do monstro mutante. Preciso contar da família que vai lutar contra o monstro das águas. Um pai, três filhos e uma neta. O filho mais velho é uma mistura de vagabundo com burro, a filha é a esportista, e o outro filho é o formado-desempregado. Todos se reencontram quando a neta é raptada pelo monstro. Este é o gatilho que faz a família – que pareceu meio desunida, ou no mínimo um pouco distante – lutar junta.

Monstro bonitinho

Monstro bonitinho

Se de um lado temos o monstro, e do outro a família, por último temos o governo, que faz as vezes de um vilão. A crítica está ali, quando a família vira alvo das autoridades pelo contato com o bicho contagioso; vemos o servilismo da Coréia com os Estados Unidos, vemos a mídia mentirosa. Só que o monstro também está ali, e este é um filme de monstro pra não botar defeito.

E no final das contas ele é lindo. Talvez não seja um dos monstros mais reais do cinema, mas não deu pra ficar incomodada como acontece em alguns filmes de terror quando a razão do perigo aparece e toda a magia vai embora. A família também é linda. Juro que me apeguei a eles. Em alguns momentos o filme tomou um caminho que me comoveu, e mesmo com todas as tiradas e piadas eu me emocionei. Um monólogo em especial me fez perceber isso. Os filhos estavam descansando depois de alguns momentos de ação, e o pai falava para eles (todos com os olhos fechados) para terem mais paciência com o irmão mais velho – que era totalmente abobalhado. Bem bonito.

Olha que família simpática.

Olha que família simpática.

E claro, a fotografia é linda. Com toda esta história acontecendo, o pano de fundo tá lá. Muita chuva. Uma cidade moderna ficou com cara de lugar em que qualquer aventura seria possível.

Dá para construir toda uma metáfora com esse filme, o diretor nos dá de presente várias ideias. E a minha metáfora é a de que nós, as pessoas comuns, conseguiremos lutar contra “os monstros” que estão por aí. Afinal…um coquetel molotov pode valer mais do que muitas balas da polícia.

Próximo passo: assistir pelo menos mais dois filmes deste diretor.