Filho das Sombras

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Capa linda, não?

Filho das Sombras é o segundo volume da série Sevenwaters, da autora neozelandesa Juliet Marillier. O livro foi lançado no Brasil em 2013 e, já que ele não é novo, eu me sinto livre pra soltar spoiler atrás de spoiler. Então, se você odeia textos com revelações de passagens importantíssimas de uma história, é melhor parar por aqui. Em Filha da Floresta, o primeiro da série, Sorcha foi a protagonista destemida e forte que fez de tudo para restabelecer uma certa normalidade na vida dos irmãos. Ela se apaixonou por um forasteiro e mesmo com algumas tristezas, o resultado foi um “e viveram felizes para sempre”.

Filho das Sombras chega para arrebentar o “felizes”, o “para sempre” e até o “viveram”. Sorcha está morrendo. A menina forte e destemida que ela era já não existe mais. Mesmo que ainda tenha muita força interior, a doença a destruiu fisicamente. Quem a acompanhou jovem e lutadora no começo da jornada vai encontrá-la definhando por páginas e páginas em Filho das Sombras. Para eu me reconfortar, precisei me lembrar constantemente de que a Sorcha de Filha da Floresta vai continuar intacta naquele primeiro livro, de que é só abri-lo de novo para reviver tudo, e de que aqui, quem interessa é sua filha mais nova, Liadan. Quando uma série usa esse tipo de sequência, não é raro que eu me frustre. Foi o que aconteceu, mas o prejuízo não foi completo.

Diferentemente da mãe, Liadan não precisará fazer uma aventura por florestas, rios, montanhas e lagos para salvar quem ela ama. Sua jornada é mais ou menos pessoal, meio que uma viagem interior. Ela vive como a mãe viveu antes de os problemas aparecerem: é feliz com a família, uma família dona de muitas terras, que acima de tudo respeita as antigas tradições que precedem o cristianismo. A mitologia irlandesa permeia a série Sevenwaters, e é através dela que toda a história cria vida.

Mas uma jornada pessoal continua sendo uma jornada. Ou seja: Liadan não tem a vida fácil. Os problemas surgem: a irmã mais velha se apaixona por quem não pode se apaixonar; assassinos frios matam soldados que são aliados de sua família; a mãe está morrendo; um cara quer casar com ela, enquanto ela só quer continuar vivendo em casa com suas coisinhas; o mal de que os druidas e os antigos falam está chegando, e só o Filho das Sombras poderá impedi-lo.

Ainda no início do livro, Liadan se encontra em apuros. Ela é capturada pelo bando de assassinos frios (sinto uma vontade imensa de completar “frios” com “e calculistas”, mas não acho que eles sejam calculistas) e em pouco tempo descobre que sim, eles podem ser matadores mercenários, mas que eles também têm coração e não são tão terríveis como parecem ser. O líder do bando é Bran, o mocinho que não tem o menor jeito para um mocinho – o que, no fim das contas, é o tipo de mocinho mais popular que há. Bran é mau, ruim com Liadan, e a princípio não facilita para a gente gostar dele. Mas, no breve tempo que a heroína passa com eles, ela descobre que o rapaz é daquele jeito porque sofreu muito na infância. Eles se apaixonam e ela volta para casa grávida e sozinha porque nem tudo são flores: Bran descobriu quem são os pais dela e agora os culpa por uns problemas do passado.

Mas não pense em grandes reviravoltas. Liadan passa a maior parte do tempo confortavelmente dentro de casa. Filho das Sombras é um livro relativamente calmo para um romance de fantasia. Por boa parte do tempo Liadan está com a família, há muita tensão no ar e acontecem umas coisas tristes, mas não há grandes eventos de ação. Por isso a jornada da protagonista – e o livro em si, por consequência – parece ser mais introspectiva. Ela pensa muito, ela sente muito e, principalmente: ela vê o que não quer ver. Liadan consegue prever alguns acontecimentos, ela tem um poder interior forte, um tipo de poder mental que não resolve as coisas a socos, pontapés ou na ponta da espada.  Isso é uma jornada especial.

Filha da Floresta foi um romance surpreendente, porque ao contrário dos outros livros de fantasia que eu li, nele eu senti uma certa austeridade no tom. Para o gênero, isso poderia ser um defeito. Com Marillier, essa é a maior graça numa história tão imaginativa. Por isso, o primeiro volume era como um livro de fantasia para adultos. Em Filho das Sombras, apesar da calmaria e do ensimesmamento, minha maior impressão é de que o tom mudou. Em vários momentos, mesmo que o estilo fosse o mesmo, senti um ar de aventura mais juvenil. Como no primeiro livro, a trama aqui continua sendo das mais instigantes, mas a série perdeu um pouco da originalidade.

Filho das Sombras não é tão bom quanto Filha da Floresta, mas isso quer dizer que ele segue sendo melhor do que a imensa maioria dos livros de fantasia. Eu tenho inveja de quem ainda vai começar a ler essa série.

Meta de leitura 2016

Adoro janeiro. Só recentemente aprendi a gostar deste mês, mas agora finalmente entendo o prazer que as pessoas sentem com as tais metas de início de ano. Sempre apreciei listas e organização, mas isso de ter um objetivo para um ano inteiro sempre me entendiou. Nunca tive paciência para uma finalidade que se arrasta. Mas, desde 2010 mais ou menos, eu percebi que uma meta de leitura é uma meta possível. Afinal, a gente acaba esquecendo que aquilo está ali para ser cumprido. Não tem cara de obrigação.

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Os primeiros da meta

Nos últimos anos eu consegui dar conta de todos estes “desafios” de leitura. Em 2013 eu li 300 livros, em 2014 foram 240 e em 2015 os livros lidos foram 140 (usar o Skoob e o Goodreads ajuda a catalogar). Todo ano eu tento fazer uma meta diferente da do ano anterior. Elas meio que ficam abertas, pois eu sei que ao longo dos meses eu vou comprar lançamentos que em janeiro eu nem conhecia. O importante é dar conta de tudo o que se pretendeu ler ao longo do ano. Tudo isso é para explicar a minha meta de leitura para 2016, que eu decidi que vai atingir 12 livros. Não pretendo ler apenas 12 livros, mas a meta é para estes 12. Vou deixar para pensar depois nos outros que virão.

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Percebi que todo ano eu deixo de lado alguns livros que eu quero ler há muito tempo só porque não consigo achar espaço para eles entre os lançamentos que vão chegando todo mês. Percebi também que minha leitura ficou meio comprometida nestes últimos três anos. A quantidade de livro que eu li e não gostei nem um pouco nos últimos anos é muito grande. E é tão desagradável ler um livro ruim.

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Os últimos da meta do ano

Então o desafio deste ano é ler um livro por mês. Doze livros que estão na minha estante há pelo menos um ano, e finalmente em 2016 eu não vou pular a fila e eles vão ter suas chances. A escolha foi meio que pelo tamanho deles. Eu tenho mais de 12 livros que qualificariam e, por isso, resolvi escolher os maiores em número de páginas. Ficou assim:

janeiro: Novembro de 63, Stephen King
fevereiro: A história secreta, Donna Tartt
março: O bobo da rainha, Philippa Gregory
abril: Precisamos falar sobre o Kevin, Lionel Shriver
maio: Caçando carneiros, Haruki Murakami
junho: Os resíduos do dia, Kazuo Ishiguro
julho: As sombras de Longbourn, Jo Baker
agosto: Um outro amor, Karl Ove Knausgård
setembro: Z, a cidade perdida, David Grann
outubro: A libélula no âmbar, Diana Gabaldon
novembro: Filho das sombras, Juliet Marillier
dezembro: Os demônios, Dostoiévski

A maior diferença deste ano para os outros é que agora eu tenho um blog. Então a minha meta é ler os doze livros e escrever minhas impressões de cada leitura por aqui. Acho que é uma meta bem razoável, não?

Filha da Floresta

Comecei a ler fantasia há pouco tempo. Nos últimos dois anos, para falar a verdade. De alguns livros eu gostei muito e houve outros que eu nem consegui terminar. O Nome do Vento e O Olho do Mundo foram alguns que abandonei. Eu sei que são séries com muitos fãs e muito amadas, apenas senti que não eram para mim. Eu tenho problema com um tipo de herói que acaba sendo muito poderoso, quase que a troco de nada. Eu sei que não é apenas em livro de fantasia que isso acontece, mas falo precisamente deste tipo de trajetória em que um protagonista precisa encarar todo tipo de problema durante um percurso tortuoso, tudo para chegar ao fim e ser recompensado – como uma pessoa melhor na maioria da vezes. 

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Jornada do herói

Nesses dois livros que abandonei, achei tudo muito exagerado. Tudo era tão grande que me fez perder o entusiasmo. Parecia que eu via o autor, em cada frase, tentando fazer com que as coisas naquele universo ocorressem sempre numa escala grandiosa. Quando isso acontece eu não consigo me identificar com o personagem e às vezes nem chego a encontrar ali um personagem, mas apenas um autor com um ego gigante.

Por isso a jornada do herói é algo tão delicado: porque alguns autores megalomaníacos estragaram-na para mim. Sem contar que certas histórias parecem ser contadas de homem para homem. É o caso de O Senhor dos Anéis, Star Wars, e de boa parte do que a gente entende como cultura pop. Felizmente é muito fácil encontrar livros de fantasia onde a protagonista é mulher, e tenho que admitir que esse é um dos motivos que me fazem continuar lendo esse gênero.

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Toda essa introdução, claro, para falar de um livro escrito por uma mulher: Filha da Floresta, de Juliet Marillier. Ali não tem uma autora com um ego maior que o livro. A jornada da protagonista se dá da forma mais simples e sem autopiedade possível. Sim, ela vai sofrer muito. Mas em nenhum momento vemos autocompaixão.

Acompanhamos a menina Sorcha. Assim como Luke Skywalker, o herói principal de Star Wars, ela tem a força dentro de si, mas, diferente dele, não tem superpoderes. E isso só deixa tudo mais legal. A força, aqui, vem da comunhão com a floresta. Sorcha vai precisar passar por maus bocados para mantê-la. Depois que uma maldição é jogada sobre os seus seis irmãos, ela precisará de muita dedicação para desfazer o mal e libertá-los.

Sofri muito com a dor da Sorcha, mas em nenhum momento me senti desanimada com a leitura. Em Filha da Floresta o sofrimento nunca é à toa e está sempre a serviço do que está sendo contado. Aquela força que eu citei acima é sentida a todo momento. Outra proeza de Juliet Marillier é conseguir transmitir tamanha vivacidade através de uma menina recém saída da infância sem fazer com que elementos da trama pareçam falsos ou artificiais. Sorcha começa a história com doze anos e, no final, tem dezesseis. São quatro anos de sofrimento.

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Mas calma, o livro não é só desgraça. No meio de todo esse sofrimento ela conhece o amor. E esse amor é contado de forma autêntica. O relacionamento é construído aos poucos, devagar, sem estardalhaço – sem aquela grandiloquência que eu não gostei nos livros que acabei abandonando. Nesse momento, ao conhecer o protagonista masculino, Red, eu me lembrei de Outlander, uma série de livros que adoro. Red lembra muito o Jamie de Outlander. Ambos são homens que não precisam ser autoritários e grosseiros, são amigáveis e prestam atenção na protagonista. Com eles, o companheirismo vem antes da tensão sexual.

Por esses e outros motivos, Filha da Floresta é lindo. Mesmo durante as provações de Sorcha, o sentimento que mais encontramos é o amor. Primeiro com a família, depois com Red e seu irmão Simon, e também com muitas pessoas que não fizeram nenhum bem para ela. Sorcha é uma personagem inspiradora. Tenho certeza que nunca vou esquecê-la. O livro é daqueles favoritos para a vida. Para levar juntinho do coração. Dá vontade de ter essa força – não a que vem com superpoderes, ou com triunfos injustificados, mas a que vem com muita calma e serenidade para enfrentar os piores momentos.