Get Out – Corra! (mentira, não corra:o filme é bom)

get out

Get Out é muito legal. De uns tempos para cá ficou difícil repetir aquela ladainha de que falta criatividade aos filmes de terror/suspense, já que surgiram vários memoráveis nos últimos anos, mas não dá para negar que o gênero investe muito em nostalgia, referências, homenagens e todas essas coisas que deixam, às vezes, um filme novo com cara de produto reciclado. Não é o caso aqui. Get Out tem o esqueleto obrigatório do suspense, mas encontra um ponto de vista particular.

Imagine que você tem um relacionamento de quatro meses e agora vai conhecer os pais da namorada  ou namorado, em um fim de semana em que você vai dormir na casa deles. Para piorar, você vive num país em que a proibição ao casamento inter-racial, dependendo do estado, era comum na geração de seus avós e muito recente na de seus pais. Vocês formam um casal inter-racial. Você é a parte mais discriminada da história. Essa é a premissa do diretor e roteirista Jordan Peele.

Quando Get Out introduz Chris Washington, vivido por Daniel Kaluuya, o rapaz está fazendo as malas com uma expressão preocupada. Chris quer saber se a namorada contou aos pais que ele é negro. Ela diz que não e que isso pouco importa. Diz que eles são democratas, eleitores de Obama, que têm pavor de racismo e jamais se oporiam a uma pessoa por conta da cor de sua pele. Só que Chris é escolado – e isso é um dos pontos mais legais do filme,  que é conduzido pelos olhos de seu personagem principal. Percebemos logo que ele não vê o mundo com o otimismo de sua namorada, que qualquer discriminação que venha a sofrer não será a primeira e que, na opinião dele, um branco americano de classe alta pode ser racista e eleitor de Obama ao mesmo tempo. Chris não precisa dizer nada disso porque a câmera acompanha suas expressões e reações em todos os diálogos, do começo ao fim. Então é com uma espécie de resignação pessimista que ele parte para a casa dos pais da namorada. Faz isso por ela, apesar da própria vontade; faz porque aposta no relacionamento.

Já que o filme segue Chris em tudo, é claro que ele estava certo. Não demora e a gente percebe que a família da namorada é racista, sim. Só que racista, ali, todo mundo é. O maior problema desse pessoal é ainda mais complicado: a família vai parecendo mais e mais bizarra, e logo Chris começa a temer por sua segurança. Daí em diante, Get Out fica divertidíssimo, um filme sóbrio e dono de uma atmosfera sufocante, e que, ao mesmo tempo, não perde certa veia de comédia de costumes. Ele retrata relações sociais em um país que não conseguiu resolver sua desigualdade e as contradições que brotam dela, sem deixar de ser uma espécie de depoimento pessoal. Por isso, por ter um olhar particular sobre a questão racial americana, Get Out não esbarra no discurso político já pronto para agradar uma plateia de adeptos, bem ao contrário: o filme é muito contundente quando satiriza o racismo justo por não fazer concessões. É como se a premissa tivesse nascido de um comentário levado ao extremo: e se o terror que é conhecer os pais racistas de uma namorada fosse interpretado literalmente e virasse terror de verdade? Jordan Peele nunca se afasta desse ponto de partida.

GetOut corra

Mas o mais legal nem é isso. Para contar o que é mais legal eu vou precisar falar um pouquinho mais do que acontece quando Chris chega à propriedade dos pais da namorada e, para ser sincera, eu acho que saber desses detalhes vai piorar a experiência de quem ainda não assistiu ao filme. É que tem um certo desafio em saber exatamente o que vai acontecer, e o desafio é levado a sério, ou seja: Get Out é mesmo um filme de suspense em que o desenrolar tem importância. Fica o meu aviso, então, de que daqui em diante o texto contém spoilers até que grandinhos.

Pois bem. Os pais da namorada são traficantes de pessoas. O que eles fazem é sequestrar um afro-americano, fazer nele uma lavagem cerebral e leiloar seu corpo a uma clientela formada por brancos ricos. A mãe da menina é psiquiatra, sua especialidade é deixar as vítimas com a mente oca; o pai é neuro-cirurgião, e quando ele encontra um afro-americano com as características que um cliente quer, ele prepara uma cirurgia de transferência de uma parte do cérebro do cliente ao corpo da vítima. Com que finalidade? Ah, sim, transfere-se a consciência de alguém em vias de morrer para o corpo de um americano negro no auge da forma. Essa foi a metáfora que Jordan Peele encontrou para tratar das contradições de um país racista que não deixa de consumir a cultura negra com voracidade. No filme, os negros que tinham recebido o transplante de um cérebro branco perdiam todas as marcas da identidade afro-americana. Vocabulário, roupas, costumes, gostos: na cabeça das vítimas só sobrava uma lembrança distante de quem foram. Eu deixo toda a discussão que isso desperta para alguém que tenha mais familiaridade com os Estados Unidos do que eu (e aproveito para recomendar o documentário vencedor do Oscar, O.J.: Made in America), mas não dá para negar o tamanho da bola de neve que uma premissa dessas pode formar.

Antes de terminar eu queria falar de três coisas. Duas razoáveis e uma besteira muito grande. Razoáveis: (1) Jordan Peele, que é ator e comediante, estreou na direção com uma firmeza que só perde para aquela do sujeito também novato que dirigiu A Bruxa, no ano passado; (2) a julgar por seu desempenho em Get Out, Daniel Kaluuya, que esteve em Black Mirror, tem muito carisma e é um nome para todo mundo guardar. Agora, uma besteira muito grande: Jordan Peele, que dirigiu e também roteirizou Get Out, é casado com Chelsea Peretti, aquela de Brooklyn Nine-Nine e das comédias stand-up. Alguém tem coragem de chegar nele e perguntar se a família dela é assim horrível? Nessas horas faz falta uma Fabiola Reipert.

3 comentários sobre “Get Out – Corra! (mentira, não corra:o filme é bom)

  1. anna carolina vieira mendes disse:

    O filme parece bem bom!!! Vou procurar p (nas piratarias da internet) assistir.
    Falando em racismo, vc já teve chance de assistir “Cara gente branca”, q entrou na Netflix?
    Abraço

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