Coisas que eu li: as biografias de Phil Collins e Rita Lee

A autobiografia vira uma espécie de acerto de contas com o tempo quando o biografado ainda é vivo. Uma figura pública passa a vida inteira ouvindo falar de si. Quando Phil Collins anunciou uma volta aos palcos, há alguns anos, teve até abaixo assinado, com milhares de assinaturas, pedindo que ele não voltasse. Imagina o golpe na autoestima! Imagina se alguém deixaria de responder à altura a um negócio desses. Não que a autobiografia de Collins, Ainda estou vivo, seja uma resposta direta a isso, até porque ela já deveria estar pronta quando a notícia circulou, mas só o fato de que as assinaturas tenham se amontoado já mostra que ele precisava mesmo de um tête a tête com a opinião pública.

Eu leio muito menos biografias do que gostaria. É um gênero delicioso. Eu acho que a graça está em perceber o que se escolhe contar e o que se vai omitir. Nesse sentido, as autobiografias de celebridades pop são um banquete. Além dessa do Phil Collins, em 2018 eu também li a da Rita Lee. Um ponto em comum entre os dois, além de serem músicos para quem eu não dava muita bola, é que havia muita coisa que eles queriam esclarecer, há muito tempo, pelo poder de reescrever a própria história.

Phil Collins foi um monstro dos anos 80. Se você nunca parou para ouvir uma música dele, você deve tê-la ouvido andando mesmo. Ou de carro. Ou de música de fundo numa farmácia. Foi com essa onipresença que ele conquistou uma legião de antifãs. Uma hora a pessoa se dava conta de que ficou ouvindo Phil Collins sem parar por uma década inteira e, pior, de que essa não havia sido uma escolha consciente. É aí que sobe aquela revolta.

Esse acúmulo de antipatias contribuiu para que a carreira dele murchasse nos anos 90, até quase acabar lá pela metade dos 2000. O trabalho a que Ainda estou vivo se presta é desmontar essa imagem de xarope. E a verdade é que, olha, falando como alguém que passou seus dias nos anos 80 colorindo revistinhas e vendo A Ratinha Valente repetidas vezes, eu posso dizer que a empreitada deu certo. Do livro emerge um Phil Collins bacana, engraçado, alguém que deu sorte com as oportunidades e que sabe valorizar os méritos dos outros. Mas e o outro lado? Mas e o que ele deixa de fora?

Bom, eu acho que o sucesso que ele atingiu não condiz com a pouca ambição que ele quer demonstrar. Outra coisa: sabe quando uma história está estranha e você percebe que o problema é a falta de uma parte importante? Então: de repente a primeira esposa do popstar pega pavor dele e o troca por um pintor de paredes. Traído, é ele quem pede desculpas e corre atrás. Qual o problema aí? A tia Fifi aqui responde: ele deve estar escondendo que a coitada já estava cansada de ser traída e resolveu revidar. É evidente. Eu sinto até a tentação de dizer que é elementar.

Agora, para quem esperava muitos insights sobre o processo criativo de Phil Collins no Genesis ou na carreira solo, o livro pode ser um pouco decepcionante. Os anos passam rapidamente. Os álbuns se confundem. Certas mudanças enormes ficam sem explicação.

Coisa parecida aconteceu no livro da Rita Lee. Rita Lee – uma autobiografia é menos profissional, mas isso é um elogio. O de Collins tem começo, meio e fim, ghost-writer, tem mais concisão e é mais equilibrado no tempo que gasta com os períodos da vida/carreira. O da Rita Lee é mais particular, mais fragmentado. É organizado a partir dos afetos e desafetos dela. Ela também trata a carreira de um jeito peculiar, e faz até esforço para diminuir a importância de seu período com os Mutantes. O problema é que esse esforço é tão grande, e ela menospreza os Mutantes com tanta ênfase, que eu me vi obrigada a pensar que aquilo era mais fruto de rancor do que de reflexão. No fim das contas, é uma versão da história que lembra mais um romance autobiográfico do que um guia para fãs que queiram saber mais a respeito de uma trajetória artística importante.

Talvez isso ocorra porque Phil Collins e Rita Lee não eram os centros criativos de seus grupos. De certa forma os dois admitem esse papel de coadjuvante. Collins com mais naturalidade: na carreira solo vai fazer mais sucesso e ter mais controle, então dá para levar o Genesis com leveza; Lee com uma raiva mal dormida: também vai se dar muito bem sozinha, mas nunca perdoou ter sido menosprezada. E deveria perdoar? Não vou entrar no mérito, mas acho que não.

O que emerge dos dois livros são as histórias deliciosas, coisa comum em biografias de gente que viveu no meio artístico. Phil Collins sendo vítima de uma pegadinha de George Harrison, ou invejando o tanquinho de Sting; Rita Lee grávida, presa arbitrariamente, e Arnaldo Baptista, fora de órbita, tentando resgatá-la na carteirada.

Pensando agora, e comparando os dois livros, o de Rita Lee é mais gostoso porque nele a personalidade dela se manifesta mais livremente, com menos mediação. Ela fez questão de recontar sua história para situar lá no passado um período e uma galera de que não gosta, e aos quais ficou ligada aos olhos de todos. O livro do Phil Collins, por mais divertido que seja (apesar da péssima edição brasileira), é um exercício de reposicionamento no mercado. Ele parece um tio com fama de chato que está tentando se enturmar.

Vou terminar deixando uma joiazinha que eu conheci esse ano, da época de Collins no Genesis. A música não é dele, mas ele a interpreta de um jeito que vai lá no coração:

3 anos de blog e um filme mais ou menos

Setembro é o mês de aniversário do blog. Já são três anos. Nas duas outras vezes eu comemorei assistindo a Dirty Dancing, mas por esses dias eu acabei fazendo uma celebração, meio sem querer, quando vi Madeo, do diretor Bong Joon-Ho.

É que O Hospedeiro e Snowpiercer, também dele, foram dois dos primeiros textos que eu escrevi aqui. O Hospedeiro ainda faz views de vez em quando. Esse filme foi uma descoberta. É engraçado, inteligente e bizarro em medidas iguais. Tem a estrutura de um blockbuster, mas é cheio de esquisitices. Não foi por acaso que o diretor foi parar no cinema americano. Ele tem a oferecer recursos que são um pouco escassos. No fim de 2015, bem quando o blog começou, eu quis ver tudo que ele tinha feito. No dia dois de outubro (data de criação da pasta no Windows) eu baixei esse Madeo. Em vez de botar para rodar imediatamente, eu o deixei criando poeira. Pretendia ver outras coisas pendentes e encontrá-lo num dia perfeito. Resultado: não existe dia perfeito e ele ficou mofando até agora, 2018.

Finalmente vê-lo foi uma espécie de volta às origens. Só que, em comparação com os outros, esse aqui é meio devagar. A personalidade do diretor está lá, mas os elementos não se encaixaram direito. Madeo conta a história de uma mãe que começa a investigar um crime de que estão acusando seu filho. O filho não é muito bom da cabeça, não tem um excelente caráter nem muitas qualidades, mas, claro, para ela é a coisa mais maravilhosa do mundo.

madeo

No fim, a ideia é que a verdade é inescrutável, assim como a cabeça dos outros. A alegria é uma coisa rara. O problema é que faltou graça. Nesses três anos, toda vez que eu abria a minha pastinha de filmes Madeo me paquerava. Eu acabava titubeando e escolhia alguma coisa menos emocionalmente desgastante. Achava que seria um filme de chorar pelas desgraças da vida. É, talvez a expectativa tenha me atrapalhado, mas o filme me pareceu desequilibrado, num tom um pouco indeciso. Tudo o que dá certo em O Hospedeiro fica um pouco deslocado aqui.

A parte boa é que ver um filme é sempre visitar um lugar. Eu nem percebi que, nesses três anos, fiquei com saudade dessa Coreia do Sul. As vilas parecem resistir à vida moderna, com gente obrigada a circular entre escombros e cacarecos. Tem-se a impressão de que o mundo já acabou e a gente só vive por teimosia. Esse cenário ajudou a relembrar o meu entusiasmo inicial pelo blog. No começo, a minha ideia era ficar um tempinho a mais dentro dos filmes, livros e séries. Eu ficava chateada de encontrar, às vezes, coisas tão legais, empolgantes, e passar tão pouco tempo com elas. Nesses três anos foram incontáveis as vezes que eu rodei os arquivos do blog e reli textos que me deram saudade. Nunca tive muito ânimo para divulgar loucamente este espaço. Ele não tem Facebook, Instagram ou Twitter. Não faço a menor ideia de quem seja o público-alvo e sempre presumo que estou falando sozinha.

Nem sempre a gente tem o que falar sobre uma obra. A vantagem de ser blogueira, em vez de crítico, é poder admitir isso. O filme não era lá essas coisas, mas passar esses anos entre vários deles, e com a vantagem de ter esse espaço aqui (que é uma espécie de puxadinho dos meus hábitos), tem sido muito legal, apesar do 2018 um pouco devagar. Então, tim-tim.

Tirando o atraso

Eu amo meu blog, mas faz quanto tempo que não apareço por aqui? Nesse período de ausência o número de visitas aumentou, o que eu achei muito esquisito. As buscas indicam que há quem chegue aqui à procura de PDFs. Inclusive, se este é o seu caso, eu tenho duas coisas para te dizer: primeiro, que eu sinto muito mas aqui não tem nada; depois que, sabe, dê um jeito na sua vida, pois que porcaria de pirateador é você que tenta a sorte no Google?

Mas os acessos não vêm só de quem chegou ontem à internet. Tem gente interessada em ler resenha de livro, série e filme, especialmente quando ocorre de alguma coisa passar na Globo, como foi o caso de Guerra e Paz. Foi relendo esse texto, intrigada pelas muitas visitas que ele recebeu, que eu senti vontade de voltar a escrever. O que eu fiz, então? Respirei e esperei a vontade passar porque nada parecia valer o esforço.

the rain

The Rain

Isso não significa que eu esteja sem ler e sem ver nada. Quer um exemplo? Cheguei até a fazer anotações sobre The Rain, uma série que estreou na Netflix há um tempinho. Deixei o texto para lá porque perdi a janela de oportunidade. A série entrou rapidamente naquele limbo em que entram os produtos que não são lançamento e também não têm um grande fandom. Mas The Rain é boa? Olha que é. É dinamarquesa, pós-apocalíptica, quase teen. Dá para shippar e para passar nervoso.

Eu também vi alguns dos filmes que geraram bafafá durante o ano. Um Lugar Silencioso, por exemplo, não justificou o hype. Eu sei que a pessoa que busca furos de roteiro é, em geral, a mais chata da turma, mas… nesse eu não me aguentei. Não consegui entrar no filme. Um vacilo atrás do outro, numa estrutura daquelas de drama familiar pateta disfarçado de filme de gênero. Já Hereditário é tenso. Também é um drama familiar disfarçado de filme de gênero, só que enquanto Um Lugar Silencioso é todo quadrado, Hereditário é redondinho, breve, imaginando sempre que o espectador tem bagagem e é conhecedor dos clichês que são recurso básico desde, sei lá, sempre. Para não faltar com a verdade, Hereditário nem é a maravilha que se prometeu, mas não é tempo perdido. Passei muito medo. Nunca mais dormi sem checar os cantos superiores do quarto.

Ainda nos filmes muito populares, Deadpool 2 é melhor que o novo dos Vingadores; o último do Thor é melhor que Pantera Negra; Isle of Dogs foi o primeiro filme de Wes Anderson em que eu não dormi. Que mais? O novo Jurassic World é inviável. Se Nossas Noites é um filme voltado à terceira idade, tudo indica que eu já estou preparada para a aposentadoria: adorei, acho até que cheguei a chorar. Eu queria ver mais filmes com Robert Redford e Jane Fonda. Só faltou ele em Book Club, que tem a premissa mais gostosa da história: quatro senhoras (Fonda e Diane Keaton entre elas) vão ler Cinquenta Tons de Cinza.

book club

Book Club

Mais recentemente, eu vi O Pacote. É meio que uma tentativa de repetir Superbad. Talvez tenha sido meu bom humor, ou a boa companhia do meu marido, mas dei muita risada. Sou adulta há muito tempo, mas tenho queda em coisas para teens. O Pacote faz uma mistura legal entre romance adolescente, aventura com amigos e comédia escatológica nonsense, com um elenco bem carismático. Quer um filme leve com mulheres engraçadas? Eu gostei de Ibiza – Tudo pelo DJ (maravilhoso o subtítulo). Para todos os garotos que já amei foi melhor que a encomenda, mas o livro vale mais. Eu ando tão fácil de agradar que até morri de rir com o novo do Adam Sandler com o Chris Rock.

Ah, eu também revi Seinfeld do piloto ao último capítulo e não me arrependo. Agora sou da opinião de que Newman é mais engraçado que Kramer. Vi os especiais de comédia de Dave Chappelle e Louis C. K., antes de C. K. cair em desgraça. Especial mesmo foi Nanette, mas acho que desse todo mundo já falou. Comedians in cars getting coffee é um constrangimento atrás do outro.

Você percebeu que, tirando os filmes do cinema e Seinfeld, eu só falei de coisas do catálogo da Netflix? Não tô ganhando pra isso. Foi só por acaso. Eu continuo sendo uma torrenteadora de primeira, só que andei baixando muita coisa ruim. Abandonei The Sinner. Cansei da desgraceira de The Handmaid’s Tale. Sigo fiel a The Affair (tristíssima) e Animal Kingdom. Ainda acompanho Jane The Virgin, mas a série piorou muito e parece não ter aonde ir. Grey’s Anatomy, claro, segue firme em meu coração. Vi um monte de pilotos que não merecem uma linha de prosa.

Velhos hábitos e uma revelação!

Há pelo menos três anos eu faço sessões anuais dos meus filmes preferidos. Comecei sem querer e agora virou um ritualzinho. Não quero passar muito tempo longe das coisas que eu gosto. Em 2018 já foram Dirty Dancing, Orgulho e Preconceito, De Repente é Amor e Mamma Mia!. Eu recomendo muito – não só esses filmes, mas o hábito. A gente muda em um, dois, cinco anos, e os filmes mudam com a gente. É legal encontrar um ponto de vista diferente, na mesma obra, de tempos em tempos. Fora o conforto que trazem para o coração da gente as coisas que a gente ama. Neste ano, por exemplo, Dirty Dancing salvou uma noite em que eu estava para baixo.

morte súbita

Morte Súbita

Outra diversão garantida é filme de hominho. Por causa das muitas noites de domingo que eu já passei vendo filmes com meu pai (numa época em que pouco se falava em classificação indicativa), hoje em dia eu sou capaz de ver qualquer coisa com Van Damme, Stallone, Schwarzenegger, Jackie Chan e companhia infinita. Nesse julho que passou, meu marido e eu atravessamos umas dez noites vendo um atrás do outro: do Van Damme, Risco Duplo e Morte Súbita; do Schwarzenegger, Comando para Matar e Exterminador do Futuro 2; o novo Desejo de Matar com Bruce Willis, e o velho, com Charles Bronson; a franquia Missão Impossível, do primeiro ao quarto filme; dois do Jackie Chan: O Terno de Dois Bilhões de Dólares e um outro, bem começo de carreira, que apareceu na Netflix. Todos – todos! – foram divertidos, às vezes involuntariamente. Só sei que essa sequência acabou quando chegamos ao Street Fighter, com Van Damme e Raul Julia, provavelmente o pior filme da minha vida. Ali morremos de desgosto e paramos.

Ai, chega. Acho que o texto ficou longo demais. Qual é a utilidade de listar aqui, de passagem, boa parte do que eu vi até agora em 2018? Nenhuma. Chega. Ainda faltava falar dos livros mas, se deu preguiça em mim, imagina o que esse texto não faz com um eventual leitor. Só deixa eu contar, então, que em 2018 eu li quase nenhum clássico. Não fiz aquela meta de doze livros. Meu objetivo era reler alguns romances de que eu gostava: também não rolou.

Em vez disso eu gastei quase todo o meu tempo de leitura com uma infinidade de romances de gênero. Policiais, darks, românticos (no sentido de terem dois personagens romanticamente envolvidos), eróticos. Quase nada de fantasia, evitei a ficção científica. Tenho evitado tudo o que não seja de fácil absorção. E olha que eu tive muito tempo livre. Agora escrevo nos últimos dias de uma gravidez (não sei quando o post vai ao ar). Precisei passar bastante tempo em repouso absoluto. Seria de se imaginar que, no sofá e na cama, eu teria todo o tempo do mundo para botar em dia qualquer projeto de leitura. Mas não. Eu não tinha condição de ler qualquer coisa que demandasse toda a minha atenção. Assim eu engoli um livro leve atrás do outro, sempre com a cabeça no meu bebezinho. Foi gostoso e deu tudo certo. Valeu a pena repousar.

Foi a gravidez que me afastou do blog? Acho que sim. Não é que tenha faltado tempo, mas talvez eu tenha usado em outro lugar a (pouca) energia que eu guardava para escrever aqui. Só resolvi voltar quando percebi que o ano passaria e eu não poderia chegar em dezembro, na cara de pau, e anunciar o Baby de Ouro 2018 – um título de premiação que agora ganhou um significado especial, hehehe.

The Terror é a melhor história de fim de mundo que já apareceu na TV

the terror amc

Eu já vi muito seriado na minha vida – um número que até constrangeria pessoas com um pouquinho mais de noção – e posso dizer que sei reconhecer um clássico instantâneo quando esbarro em um. Quem não assistir a The Terror, da AMC, vai perder um dos grandes momentos da televisão nos últimos anos, com algumas das atuações mais comoventes que eu já vi em qualquer mídia.

Desculpa, me empolguei. Eu não sei se a série foi divulgada com alarde ou não, o que sei é que fui pega de surpresa. Baseada no livro de Dan Simmons, temos a história real da expedição de John Franklin, que partiu da Inglaterra vitoriana para encontrar a passagem que liga o oceano Atlântico ao Pacífico acima do Circulo Polar Árctico. Franklin e seus mais de 100 tripulantes partiram em dois navios, em 1845 e… jamais voltaram. Viraram lenda, motivando dezenas de outras viagens em seu encalço. O livro e a série ficcionam a expedição. E quando eu digo ficcionam eu me refiro a um pacote mais que completo. A história não é contada como poderia ter acontecido, nada disso: não demora e um monstro meio urso, meio demônio coloca a vida dos homens em risco, como se não bastassem o frio, a fome e as doenças.

The Terror é perfeita por diversos ângulos. A produção é daquele tipo que recria a época na medida certa, nem a mais nem a menos, sem pretensão de ser um fim em si mesma. Isso inclui os figurinos e cenários. A direção é precisa, nem sempre sutil ou no mesmíssimo tom, mas sem jogadas mirabolantes para fingir profundidade ou passagens arrastadas para duvidar de nossa inteligência. Mas se The Terror tem um aspecto irrepreensível este é o desempenho de todo o elenco. Não consigo me lembrar de uma exceção.

the terror

Os três personagens principais são atores entre aqueles rostos que a gente se acostuma a ver, mas que nem sempre consegue lembrar de onde os conhece. Aqui, eles brilham. Tem Jared Harris, que tinha feito um dos coadjuvantes mais humanos de Mad Men; Tobias Menzies, que tem um papel nanico em Game of Thrones mas chamou a minha atenção pelo que fez em Outlander; e tem o veterano Ciarán Hinds, que é o Mance Ryder, também de Game of Thrones. Além deles, há Adam Nagaitis, que é um vilãozinho do capeta, um ator que me deixou com vontade de levantar do sofá e partir para a agressão física, que nem aquele homem com um capacete que invadiu uma versão teatral da Paixão de Cristo. Apoiados por gente que, pelo que me pareceu, mantém o mesmo nível, esses quatro atores mostram aquela capacidade de manter o olho da gente colado na tela, independentemente do texto.

E olha que o texto é bom pra caramba. Não li o livro, não o conhecia, nem sabia da existência de Dan Simmons, que, fui descobrir depois, é um autor bem badalado quando o assunto é ficcção histórica, mas os roteiros baseados no livro são do tipo que consegue contar várias histórias com o mínimo de pirotecnia, com aquelas sacadas que, ou dão vontade de chorar, ou despertam uma pergunta bem profunda lá no meio da cabeça. Além disso, uma das coisas mais gostosas de se envolver com um filme ou série é a possibilidade ter as expectativas frustradas, de se enganar a respeito do que vai acontecer e como – isso tudo The Terror faz sem render-se completamente ao espírito do tempo, o que é um sinal de originalidade, afinal de contas.

A minha vontade era escrever sobre The Terror na altura do segundo capítulo. Ali eu previ que sairia impressionada, mas segurei o entusiasmo porque aqui, no blog, já caí seguidas vezes no conto do ótimo piloto, ou do começo empolgante que depois revela um abacaxi. Por sorte, não cheguei a me decepcionar. O último episódio tem lá seus defeitos, alguém mais crica que eu seria capaz até de se frustrar, mas eu duvido que os últimos dois ou três anos, na televisão, tenham visto nascer uma história melhor a respeito de amizade, lealdade, integridade, das coisas que tornam as pessoas humanas e daquelas que fazem com que a gente perca de tudo isso de vista.

Essa foi, na minha opinião, a melhor série de fim de mundo que já apareceu na televisão porque ela mostra que não precisa de muito para o mundo desabar. Vou terminar com uma frase profunda: fica a dica.

A mulher na janela

a mulher na janelaÉ muito bom engatar em uma leitura e esquecer do resto do mundo. Acho que nunca vou me cansar da sensação de prazer que um livro proporciona, porque ela é diferente de tudo. A mulher na janela nem é o melhor exemplo, porque no fim das contas a empolgação foi diminuindo no fim, mas mesmo assim eu engatei nele e por boa parte do tempo eu pensei “talvez (provavelmente!) eu nem lembre da história em alguns meses, mas que história envolvente!”.

O livro de A. J. Finn é mais um thriller com mulher (ou garota) no título e que, em um primeiro momento lembra A garota no trem, de Paula Hawkins: uma mulher destruída por um evento do passado, que testemunha um crime e precisa lutar para provar que o que ela viu realmente aconteceu. Mas as semelhanças ficam apenas na sinopse. A mulher na janela é um livro intenso, em que você se perde nas ruminações da protagonista e luta para tentar desvendar o que está acontecendo antes do fim da história.

Anna é uma mulher triste. Ela não consegue sair de casa por conta de um transtorno psicológico conhecido como agorafobia. A tristeza é fácil de perceber: ela nunca sai de casa, não toma banho sempre, vive sozinha, sente falta do marido e da filha e passa os dias bisbilhotando os vizinhos pela janela. A casa é gigante, com quatro andares mais um super porão, o que deixa tudo mais atraente: você sabe que um crime vai acontecer em algum momento e que a casona, como cenário principal, só vai fazer a imaginação trabalhar mais.

Quando vizinhos novos se mudam para a propriedade mais próxima, Anna, munida de uma câmera com ótimo zoom, passa a sondar a nova família aparentemente normal. Em pouco tempo o adolescente surge na porta de Anna, com um presente oferecido pela mãe. Eles conversam e Anna se sente mais próxima da família. Mais tarde é a vez de a mãe visitá-la. Elas estabelecem uma ligação rapidamente e então Anna se vê consumida pela vida dos vizinhos.

É aí que um assassinato acontece, e Anna, que vive em meio a vinhos e remédios fortes, vê tudo através das janelas de sua casa. Como ela vai conseguir provar para a polícia que o que ela viu não foi uma alucinação quando a pessoa que ela achava estar morta surge, com outro rosto, dizendo que nunca a conheceu?

A protagonista é uma mulher que, sim, em muitos momentos parece delirante, mas que tem uma confiança inabalável no que vê. Como confiar em uma narradora assim? Não dá. E é justo nessas horas que A mulher na janela é empolgante. Em um momento você quer, junto com Anna, descobrir o que está acontecendo; depois você já acha que todo o problema está nela, mesmo que não do jeito que o autor quer fazer você pensar.

Mas falando assim fica parecendo que eu me apaixonei pelo livro. As coisas começaram a desandar na minha leitura quando o fim foi se descortinando. O autor recheia o romance com referências aos filmes antigos de suspense, com destaque para os de Hitchcock. A história da mulher na janela espionando os vizinhos é uma homenagem declarada a Janela Indiscreta. Anna assiste a muitos filmes clássicos de suspense, e o autor consegue colocar no papel o clima tão único do cinema em preto e branco, o que faz a expectativa crescer. A menção ao clima tenso e de certa forma sedutor dos filmes do Hitchcock me deixou inebriada, esperando por algo que eu imaginava que nunca adivinharia, mas quando o final surgiu, me senti caindo de novo na realidade de um livro mediano e sem muita graça.

O fim me lembrou dos remakes dos filmes do Hitchcock que surgiram ao longo do tempo. A mesma sensação que me daria uma versão, plano a plano, de Janela Indiscreta, tão sem vida quanto Psicose com o Vince Vaughn, da década de 1990. A história, por mais da metade do tempo, me fez pensar em um bom filme do diretor: com um desenvolvimento magnético, complexo e intrincado, mas a decepção veio quando no fim, em vez de continuar como Hitchcock faria e finalizar com um desfecho simples e genial, A. J. Finn optou por dobrar a aposta e deixar tudo maior e mais confuso, recheado de coisas explicadas em excesso. Para mim, não deu certo.

A senhora de Wildfell Hall, de Anne Brontë

a senhora de wildfell hall

Uma mulher se apaixona por um homem bonito, radiante e impulsivo. Parece uma linda história de amor, mas em pouco tempo tudo vira um pesadelo. A impulsividade do homem vira escárnio: ele não se importa com nada e ninguém, bebe, trai a esposa e só sabe tratá-la com desdém em seus modos egoístas. Isso é o tema de um livro na era vitoriana, em 1848. Ousado, não? Parece que cada irmã Brontë tinha um papel na literatura e, se Anne Brontë tivesse conseguido viver um pouco mais, teria ocupado já em vida o papel de transgressora da família.

Como uma jovem que nunca viveu um romance e que viveu tão pouco tempo consegue contar uma história com desdobramentos tão reais? Dizem que ela queria dar uma resposta a O morro dos ventos uivantes, romance da irmã mais velha; além disso, havia inspirações na história da família: o irmão era alcoólatra e morreu em consequência disso, ainda jovem, depois de gastar boa parte do dinheiro da família. Deixando as especulações de lado, Anne Bronte conseguiu escrever um texto feminista numa época em que a palavra mal engatinhava.

A senhora de Wildfell Hall começa com as cartas de um homem (Gilbert) que se surpreende com a chegada de uma nova moradora na vizinhança. Ela é Helen, uma viúva que se mudou para o casarão com o filho. Helen é estranha para o padrão dos moradores da região. Ela é arredia e não faz questão de ser sociável com a vizinhança. Gilbert, em um primeiro momento, também se sente como os outros e censura Helen, mas com o passar do tempo ele se vê cada vez mais atraído pela estranha moradora de Wildfell Hall. Em poucas semanas a amizade deles engata e o homem não entende por que Helen é tão prudente em querer casar de novo.

O livro pode ser dividido em três momentos: as cartas de Gilbert narrando como conheceu Helen; o diário de Helen, com a protagonista narrando os eventos principais; e a volta de Gilbert para finalizar a história. Helen precisa explicar por que não pode se envolver romanticamente mais uma vez e entrega o diário em que conta toda sua história antes de chegar a Wildfell Hall: ela se apaixonou perdidamente por um jovem alegre, mas inconsequente. Uma tia a alertou, mas Helen achava charmoso o jeito imprudente de viver de Arthur. Eles se casam e vivem uma boa vida até os sinais de que Arthur ainda pretende levar sua rotina desregrada mesmo casado. Por vários meses ele viaja para Londres e continua sua vida de solteiro, deixando Helen sozinha com o filho recém-nascido. Helen se agarra na religião para tentar melhorar o comportamento do marido, mas a situação só piora. Ela vê que seu filho cresce e tenta imitar as atitudes do pai, então uma decisão é tomada. Uma decisão que não é a que se espera de nenhuma mulher daquela classe social, naquele lugar, naquele tempo.

Anne Brontë propõe uma reflexão feita por não muitas mulheres célebres de sua época: qual é o papel da mulher na sociedade? Até que ponto a submissão feminina vai ser aceitável? Essas questões não foram bem aceitas, lá atrás, nem mesmo pela família da autora. Charlotte Brontë foi a irmã que ficou responsável pelas obras de Emily e Anne Brontë depois de suas mortes precoces, e não demorou para tirar de circulação A senhora de Wildfell Hall, proibindo sua reedição enquanto viveu. A coragem de Anne Brontë em denunciar a servidão feminina e a dependência financeira na era vitoriana é motivo suficiente para a mais jovem das irmãs Brontë ser lida com entusiasmo nos dias de hoje. O romance ganhou duas edições brasileiras quase simultaneamente, o que prova que seus temas não são anacrônicos nem foram esgotados com o passar dos anos.

Uma lista para quem quer ter um caso de amor com o Japão

Ano passado foi o ano do Japão e dos animes para mim. Foram muitos filmes e séries com aquele olhar especial e delicado dos japoneses. Acho que todo mundo que dá uma chance aos animes não consegue mais se desprender e, para te ajudar nisso, se você está com vontade de dar essa chance, eu escolhi alguns animes comoventes e capazes de encantar qualquer tipo de gente. Se você conhece bem tudo o que vem do Japão talvez ache a lista bem óbvia, mas calma: estamos apenas começando.

Crianças Lobo – Wolf children

wolf children

A história é linda e fala sobre o amor, principalmente o amor de uma mãe. Hana se apaixona por um homem que se transforma em lobisomem. O sentimento é recíproco, eles casam e têm filhos. Uma complicação é que os filhos também herdaram a condição do pai: ora são crianças fofas, ora lobinhos inquietos. Os problemas começam quando Hana se vê sozinha cuidando de suas duas crianças com necessidades que ela não compreende. A jornada dessa família é incrível, e muito mais profunda do que a premissa pode fazer parecer.

Koe no katachi – A silent voice

a silent voice

Shouko Nishimiya é uma menina que sofreu bullying por ter uma deficiência auditiva. Depois de alguns anos ela reencontra o garoto que mais a atacava na escola e uma amizade surge. O filme é delicado e trata de questões sérias do jeito que só os japoneses conseguem: com sutileza nos momentos pesados e pouco sentimentalismo.

A garota que conquistou o tempo – Toki o kakeru shôjo

a garota que conquistou o tempo

Um dos temas preferidos dos japoneses: o tempo. Makoto Konno é uma garota cheia de energia que vive atrasada. Um dia ela descobre que tem o poder de viajar no tempo. Com essa capacidade em mãos, ela usa e abusa do recurso, até que, claro, as coisas começam a sair de seu controle. Filme fofo com romance para ninguém reclamar.

Cinco centímetros por segundo – Byôsoku 5 senchimêtoru

5 centimetros por segundo

O filme é dividido em três partes, todas sobre o relacionamento de Takaki e Akari. Eles sempre foram muito próximos um do outro, mas o destino os afasta quando Akari precisa se mudar para outra cidade. Será que eles se reencontram? Ficam juntos? O legal das animações japonesas é que a expectativa de alguém que se acostumou com o cinema americano pode ser quebrada sem qualquer aviso prévio.

Sussurros do coração – Mimi wo sumaseba

sussurros do coração

O filme mais antigo da lista (1995) é também o mais fofo. A história é sobre a vida de Shizuku e sobre os desencontros e problemas de uma jovem. Shizuku se apaixona por um menino que ela não conhece, mas que já havia lido todos os livros que ela decide pegar na biblioteca. Sempre que ela vai pegar algum emprestado, o nome dele está lá marcado na fichinha. Shizuku é indecisa e curiosa, e isso às vezes traz problemas e às vezes a ajuda. Eu te desafio a ver esse filme e não se apaixonar pela música Take me home, Country Roads cantada em japonês.

Kimi no na wa – Your name

kimi no na wa

Por último o anime mais especial para mim. O único com texto no blog. A história de amor mais encantadora e graciosa que você vai ver. Um dia ele acorda e lembra que sonhou com ela, e ela sonha que viveu na pele dele. Eles vivem em cidades diferentes e não se conhecem. Um cometa passa e as coisas começam a fazer um pouco de sentido. Ai, o amor é lindo.

Meta de leitura 2017 – 2018

O ano já começou há uma semana e aos poucos eu vou me acostumando com 2018. Aqui no blog o primeiro post de janeiro vai ser sobre a minha meta de leitura. Fiquei devendo os últimos três livros da meta de 2017 (o texto no blog, porque a leitura de todos os livros eu concluí a tempo) e resolvi juntar tudo por aqui: os três livros que faltavam da última meta e o começo de outra, novinha em folha. Minha meta de doze livros continua firme e forte. Ano passado os escolhidos foram na maioria clássicos e minha impressões sobre cada leitura foram publicadas aqui, aqui e aqui. Para finalizar faltava o romance de estreia da Virginia Woolf: A Viagem; um livro-reportagem brasileiro: Abusado, de Caco Barcellos; e por último um clássico russo: Pais e Filhos, de Ivan Turguêniev.

a viagem

A Viagem foi o que eu esperava. Eu li algumas opiniões agressivas e achei que talvez o livro fosse descomplicado demais para o gosto das pessoas acostumadas com as coisas que Virginia Woolf acabou fazendo em sua fase mais madura. Mas eu gostei muito da leitura. A Viagem foi o romance mais tranquilo de se ler da Virginia Woolf. Por tranquilo quero dizer que a história segue reta, sem as inovações técnicas que fizeram a fama da autora. A simplicidade do dia a dia dos personagens e dos acontecimentos faz deste um livro perfeito para começar a ler Virginia Woolf. Para um leitor brasileiro há uma pequena complicação adicional, que é a visão que Woolf tinha do Brasil (país que ela não chega a nomear, mas nem precisa). Se você conseguir dar esse desconto, tudo segue muito bem. A Viagem vale muito a pena, principalmente tendo em perspectiva todo o desenvolvimento posterior da autora.

abusado

Abusado foi o penúltimo livro da meta, e talvez a pior escolha. Um dos meus gêneros preferidos é o livro-reportagem (principalmente os de jornalismo investigativo), mas quando a reconstituição dos fatos faz uma história de não ficção virar praticamente ficção eu fico incomodada. Meu autor preferido no segmento é o Jon Krakauer porque ele consegue navegar com desenvoltura ali onde não se admite ficção em excesso: ele enche o livro de dados através de uma apuração perfeita e mesmo assim não deixa a história engessada; o Caco Barcellos pode ser um ótimo jornalista, mas em Abusado esteve longe de conseguir escrever uma história sem romantizá-la (no pior sentido da palavra). O lado bom foi que pelo menos eu tirei da lista uma leitura que eu adiava há muito tempo.

pais e filhos

Pais e Filhos, de Turguêniev é lindo. O protagonista é um dos personagens mais odiáveis do mundo da literatura, mas mesmo assim o envolvimento é inevitável. Eu praticamente devorei o romance em poucos dias e a sensação foi a de sempre com os russos que atravessaram meu caminho: que livro incrível! A experiência só não foi melhor porque eu me excedi e li três clássicos russos no ano. Tenho a impressão de que mais espaço entre um e outro me faria aproveitar melhor a leitura, então fica a lição para o futuro.

2018

meta de leitura 2018

Depois de dois anos em que as metas envolviam ler doze livros que estavam parados por aqui há um tempo, eu resolvi mudar. Em 2018 eu vou reler alguns dos livros que me empolgaram tanto que acabaram me fazendo tomar gosto pela leitura. A principal razão é a saudade. Para confirmar que a minha ideia foi boa eu acabei lendo o do mês de janeiro em um dia. Acho que a nova meta vai ser a mais fácil de concluir. Vou tentar seguir o cronograma de eleger um livro para cada mês do ano, mas vamos ver o que acontece. Quer saber quais são? Olha a foto aí em cima, só faltaram Crime e Castigo, de Dostoiévski, que eu ainda não tenho (li numa edição bem velhinha de que me desfiz há um tempo); e A Ventura de Amar, de Danielle Steel, e O outro lado da meia-noite, de Sidney Sheldon, que estão na casa dos meus pais. Cada livro escolhido aqui tem uma história sentimental comigo. Alguns são clássicos e outros… nem tanto(?). Dom Casmurro foi o primeiro que eu tirei da pilha. Eu só peguei a edição para dar aquela olhadinha, mas foi irresistível. Sabe como é apertar um cachorrinho? Foi assim para mim. Eu não conseguia parar. Essa foi a minha terceira passagem por Dom Casmurro e eu tenho que dizer que tinha a impressão de que a coisa de Capitu ter ou não traído o Bentinho era mais central para gostar do livro. Mas não. Bom, esse assunto fica para outro texto. Que este seja um ano bom.