The Wolfpack

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Irmãos Angulo

The Wolfpack é um documentário que tem tudo para ser soturno, mas acaba passando longe disso. Trata da história de seis meninos que viveram presos – pelo pai – durante toda a infância e parte da adolescência em um apartamento em Manhattan. Não estavam acorrentados, mas eram coagidos por um adulto que manteve, por todos esses anos, um estilo de vida bizarro. O filme mostra o cotidiano dos meninos enquanto eles buscam emancipação e, cada vez mais, liberdade.

Os pais deles se conheceram em Machu Picchu. Ela americana e ele peruano. A paixão levou ao casamento e eles foram morar nos Estados Unidos. O plano era juntar dinheiro e ir para a Escandinávia, mas os filhos foram surgindo e o dinheiro rareando. Foram sete, ao todo. Além dos seis irmãos Angulo há uma menina que, com necessidades especiais, pouco aparece em tela.

Oscar, o pai peruano, quis criar a prole como uma tribo. Cabelos compridos, nomes tirados do sânscrito e contato mínimo com o mundo do lado de fora do apartamento. Educados pela mãe, e vivendo com dinheiro da assistência social, a princípio os Angulo parecem bem bizarros. Mas aí vem o que mais me chamou a atenção no documentário: os meninos são extremamente lúcidos. Sem acesso a internet ou televisão, eles recorreram a filmes em DVD para conseguir um pequeno vislumbre do mundo além das paredes. O cinema ocupa um lugar muito importante na imaginação dos meninos. Talvez por isso eles pareçam tão à vontade na frente da câmera.

Em 2010, um dos meninos Angulo, então com 15 anos (eles são muito parecidos, e têm nomes tão difíceis que eu vou ficar devendo o nome correto) resolveu desconsiderar uma das regras do pai e saiu de casa para dar uma volta. Usando uma máscara caseira inspirada em personagem de filme de terror, ele deu um passeio pelo bairro. Claro que a máscara chamou a atenção das pessoas, e em pouco tempo a polícia foi chamada. Como o menino não interagia ele foi levado a um hospital psiquiátrico. De lá acabou voltando para casa, mas depois desse episódio a libertação entrou em progresso. Aos poucos os meninos começaram a sair cada vez mais. Em The Wolfpack a liberdade não veio através de denúncia ou da polícia invadindo um cativeiro. A liberdade veio através da contestação dos filhos ao modo de vida dos pais, algo que acontece em qualquer família.

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Os irmãos com a diretora Crystal Moselle

Em um desses passeios, os Angulo conheceram a mulher que dirigiria o documentário, Crystal Moselle. Ela os abordou quando viu os seis com roupas iguais às dos personagens de Cães de Aluguel. Moselle primeiro descobriu a paixão dos meninos por filmes e, depois de frequentar a casa por um tempo, acabou percebendo que tinha uma história muito maior nas mãos. No fim das contas, uma história de amadurecimento e companheirismo.

Moselle conseguiu realizar um filme primoroso. Tanto pela intimidade que é visível em tela (ela conheceu os meninos antes de pretender filmá-los e isso fez com que se estabelecesse um laço), quanto pelo material que os Angulo já tinham: há muitos vídeos da infância no apartamento. Mas o que empresta graça e carisma ao documentário é o repertório cinematográfico que os Angulo construíram durante todo o período de isolamento. Citações, referências, roupas, traços de personalidade: é como se o cinema tivesse ajudado a criar os meninos, a aproximá-los do resto do mundo.

É incrível pensar que os seis viveram anos encerrados numa verdadeira caixa e que, ao saírem, são gente comum – tão loucos quanto todo mundo. A sensação é de que aquilo que os estava matando também os estava salvando. Família tem dessas coisas.

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Eles hoje em dia

Em The Wolfpack o que mais me cativou foi uma narrativa cinematográfica que se negou a apelar para o sentimentalismo ou para o aspecto bizarro da situação. O documentário se concentrou em quem são aqueles meninos. Em alguns momentos eles contaram como foi difícil viver daquela forma, falaram do ódio inevitável pelo pai, mas o principal objetivo da diretora era mostrar como os Angulo são meninos perspicazes, conscientes do que são e do que viveram.

Fiquei muito feliz por terminar o documentário sem me sentir destruída. Foi bom pensar que eles têm muitos anos pela frente e um futuro além de quatro paredes. Foi bom sentir um pouco de otimismo. Ah, já ia me esquecendo: tem na Netlix.

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