RuPaul’s Drag Race – Fim da oitava temporada

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Na altura do terceiro episódio (ou quarto? ou quinto?) eu escrevi aqui que a oitava tinha potencial para ser a melhor temporada de RuPaul’s Drag Race. Não foi. Se você nunca viu Drag Race, dá uma lidinha naquele texto, mas, se você é fã de longa data e acompanhou a temporada de Bob The Drag Queen e cia, acho que vai concordar que Bianca Del Rio e grande elenco ainda não foram superados. (Se você ainda não chegou ao último episódio, se aguenta que vão vir spoilers.)

A oitava foi a primeira temporada que eu acompanhei semanalmente. Antes, eu havia maratonado ou chegado muito tarde. Eu também tinha o péssimo hábito de não acompanhar o Untucked. Agora, tudo isso foi consertado. Acho que o acúmulo dessas novidades fez minha empolgação aumentar nos primeiros capítulos. Naquela altura, o trio de Nova Iorque (Bob, Thorgy Thor e Acid Betty) dava a impressão de que iria reto até o Top 3. Para ser sincera, entre as três eu achava Bob a mais fraquinha. Os visuais dela me pareciam um pouco básicos, e quando ela se destacava nas performances de teatro ou dança, eu era do time que achava que Thorgy estava sendo injustiçada. E ainda acho isso: no terceiro episódio, aquele do teatrinho com tema da série Empire, Thorgy Thor mandou melhor que Bob: para mim, ela foi mais engraçada que sua competidora sem colocar os dois pés no exagero. (Vários capítulos depois, Michelle Visage me vingaria ao dizer, muito educadamente, que Bob era exibida além da conta.)

Até ali Thorgy estava sendo injustiçada. Não tinha vencido um desafio sequer e era pouco elogiada. Eu tinha a impressão de que os juízes faziam de propósito para alimentar a competição e não dar a ela a impressão de que chegar ao Top 3 seria fácil. Olhando para umas drags tão fracas como Cynthia Lee Fontaine e Derrick Barry, eu achava que só uma hecatombe tiraria Thorgy da disputa pelo primeiro lugar. Mas o pior aconteceu: a edição foi mostrando uma Thorgy cada vez mais frustrada, neurótica e amarga, os visuais (e as ideias por trás deles) não eram aquela maravilha, e a minha torcida inicial miou. Miou e migrou: foi para a Kim Chi.

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Kim Chi é o contrário daquilo que uma pessoa pouco informada vai imaginar ser uma drag queen. Ela não é exatamente tímida, mas é um pouco retraída quando o assunto é performance, mal sabe andar na passarela e é um desastre na dança, tem a língua presa, fala baixo, chora fácil. Nos primeiros capítulos eu imaginava que seria impossível ver RuPaul coroar uma drag assim, mas Kim Chi vinha mostrando looks e conceitos impressionantes. Nenhuma outra drag dessa edição conseguiu acompanhá-la quando o assunto era criatividade. Quando o desafio era desenhar roupas e bolar maquiagens bonitas, ela nunca se enrolou, mas seria muito difícil que vencesse: para ser a “america’s next drag superstar”, a drag precisa de presença, cara de pau, versatilidade – todas as qualidades que compõem o que se espera de uma drag queen. Quem acompanha as competidoras de edições passadas nas redes sociais sabe que elas rodam o mundo em apresentações, eventos, números teatrais e de stand-up comedy, desfiles de moda. Kim Chi é um tipo diferente. Se ela vencesse, haveria uma interessante mudança de perspectiva. Ela é jovem e o conceito por trás do que faz como drag reflete vários aspectos culturais que a gente vê por aí hoje em dia: ela tem a coisa do anime e da cultura da internet, e isso tudo contou para que chegasse tão longe, mas eu imaginava, desde cedo, que as muitas lacunas que tinha em sua formação a impediriam de levar o grande prêmio.

Pois é. Não levou. Eu até alimentei esperanças, mas uma competidora muito forte tinha feito todo o beabá, mesmo que na maior parte das vezes não me empolgasse pessoalmente. Diante do que aconteceu na temporada, seria injusto não dar a coroa a ela, Bob The Drag Queen. Com uma pegada “atriz do Zorra Total” nas atuações, looks que vão do mais ou menos ao bacaninha, e com muita inteligência e criatividade nos textos e nas respostas improvisadas, além de bastante carisma (foi o que os jurados pensaram) e tranquilidade, Bob fez a limpa. Ela ganhou três desafios, foi bem em outros, se mostrou bacana e muito preparada para tudo o que acontecia na competição, e mesmo assim não foi aquela drag para guardar no coração.

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O fato de Bob haver se mantido como a drag a ser batida, sem que ninguém conseguisse de fato ameaçá-la – especialmente depois das saídas de Thorgy e Acid Betty -, deixou a competição morna em alguns sentidos. Isso não comprometeu a qualidade do entretenimento, mas me impediu de criar aquele laço especial com as protagonistas da série. Naomi Smalls melhorou, é verdade, e teve um desempenho surpreendente, mas não fez nada de muito memorável; a edição criou para Chi Chi DeVayne aquele arco sobre a superação das adversidades financeiras e de autoestima, mas ela era repetitiva e um pouco chatinha; não havia nem como competir com Kim Chi no departamento dela, mas o departamento dela não era exatamente o que RuPaul & Cia estavam buscando. No fim das contas, a falta de reviravoltas e superações fez com que a temporada ficasse sem grandes momentos. Nesse sentido, acho que as características de Bob The Drag Queen ilustram bem o que essa temporada foi para mim: Bob é engraçada, mas não tão engraçada quanto Bianca Del Rio; arrasou as competidoras, mas não tanto quanto Bianca Del Rio; teve bons momentos mas nada tão legal quanto os da temporada de Bianca Del Rio. Em suma, a oitava temporada foi boa mas não se compara à sexta.

Sobre a edição que acabou nessa semana, eu vi várias pessoas reclamando dos critérios de RuPaul. Algumas drags foram vistas com mais, digamos, benevolência do que outras. Algumas tiveram mais chance de errar do que outras. Alguns defeitos foram ignorados em nome de uma historinha mais reta e sem complexidade, mas no fim das contas, com essas competidoras, qualquer outro resultado teria sido injusto. Fico na torcida, agora, assim como todo mundo, por uma nova temporada de All Stars.

Oitava pode ser a melhor temporada de RuPaul’s Drag Race

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Eu maratonei as quatro primeiras temporadas de RuPaul’s Drag Race em 2014. Depois, por estafa, me afastei. Tinha me esquecido de como o reality é capaz de deixar marca em muitas áreas da cabeça da gente: quando assisto, eu saio falando expressões que as drags falam, partes do meu senso de humor que eu nem sabia onde se escondiam aparecem e, talvez o mais legal, tomo conhecimento de um universo que é muito distante do meu ao ver pela tevê pessoas que se expressam de maneiras que jamais me ocorreriam. Deixa eu me explicar: sou tímida a ponto de não saber dançar. A última coisa que eu quero, quando tô fora da minha casa, é ser o centro das atenções. Nunca, nunquinha. Com Drag Race eu pude descobrir um negócio que eu achava que sabia, mas nunca tinha sentido de uma maneira tão…viva: que o corpo da gente (e o que a gente transmite com ele) além de expressão, claro, no sentido de comunicação, é também expressão artística. Que a partir disso andar por aí é meio que uma performance. Como diz o RuPaul: We’re all born naked and the rest is drag.

Tinha esquecido disso tudo. A quarta temporada acabou sem que eu conseguisse me apegar a ninguém. Daí voltei, aos poucos, no mês passado. Pulei a quinta e assisti a sexta. Adore Delano ganhou um espaço no meu coração que só aumenta quando eu me lembro da risada dela, e não tem como não gostar de Bianca Del Rio. Acabei desenvolvendo uma queda forte pela Milk. Melhor dizendo: pela Milk e pelo Milk. O episódio em que as drags gravaram o clipe de Oh No She Betta Don’t deve ser o meu preferido de todos os tempos. No embalo, vi a quinta e a sétima (Ginger Minj <3, Pearl <3, Katya <3), e dei a sorte de pegar, desde o primeiro episódio, a oitava temporada, que é a corrente. E deixa eu falar: está muito boa, com potencial para ser a melhor de todas.

Eu vivia repetindo que a as duas primeiras edições são insuperáveis. Primeiro por causa de Ongina, Tammie Brown e Nina Flowers, e Tyra, Raven e Jujubee, e depois porque, no começo, além de ter um orçamento claramente menor, o reality não investia tão pesado em momentos forçadinhos e dramas pessoais. Mas isso é besteira, eu estava errada. Agora acho que, mesmo flertando com certa pieguice aqui e ali, os dramas pessoais dos participantes são importantes para estabelecer o principal recado que RuPaul’s Drag Race tem a passar, muito bem condensado e expresso num dos melhores bordões de RuPaul: If you can’t love yourself, how in the hell you gonna love somebody else?

Amém, antes de mais nada. Depois, preciso dizer que, se você chegou até aqui e nunca viu Drag Race, não precisa necessariamente começar do começo – apesar de a Netflix ajudar tendo, se eu não me engano, cinco das primeiras seis temporadas no catálogo. Todo ano RuPaul conta, basicamente, a mesma história. Tirando exceções marcantes, as drags também têm perfis semelhantes. A graça está na criatividade delas, na variedade das expressões artísticas que as participantes precisam ter para vencer o programa, no humor com um pé e meio no nonsense, que parece refletir bastante a personalidade de RuPaul, uma figura pública sem igual. Poxa, ele é a encarnação da elegância, montada ou não. Ele parece aliar uma vaidade que só o amor próprio consegue trazer a um senso de despretensão que o permite não se levar a sério – isso é meio que uma alquimia. Vê-lo em tela já é uma experiência que vale o seu tempo.

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Kim Chi: melhor maquiagem até agora

Tá. Mas e a oitava temporada? A novidade é que agora o programa parece saber cada vez melhor de sua capacidade de influenciar as redes sociais e de fazer tendência. Numa entrevista recente (muito boa, mas perdi e vou ficar devendo o link) RuPaul fala que as drags mais jovens, chegando agora para as edições mais recentes, cresceram sob a influência do programa. Por isso, o Drag Race está mais consciente das qualidades que tem, a edição está infinitamente mais ágil se comparada à dos primeiros anos, e, como acontece em todo reality show, os participantes ganharam, com o passar do tempo, muita consciência do que precisam fazer para vencer. A produção não ficou atrás e já no segundo episódio deixou todo mundo de queixo caído.

Se você está procurando um reality que divirta demais, que te dê participantes carismáticos a ponto de merecerem o seu tempo, e que entregue certa catarse de vez em quando, bom, eu arrisco dizer que você não vai encontrar nada mais empolgante e absorvente que a oitava temporada de RuPaul’s Drag Race. Como não dá para assistir tudo o que surge na televisão, a medida que eu uso para saber se um programa vale a pena ou não é o tempo que um determinado capítulo fica voltando à cabeça. Se eu vejo alguma coisa e depois nem volto a pensar no assunto, decido nem perder meu tempo com o próximo episódio. No caso de Drag Race, ao lavar a louça num dia desses, eu me peguei dizendo para os pratos engordurados que tinham ficado por último num cantinho da pia: “Now bring back my girls”.