Room – O Quarto de Jack

'Room' is a journey out of darkness, director says

Jacob Tremblay e Brie Larson estrelam O Quarto de Jack

O cinema tem uma longa lista de produções célebres que tratam de serial-killers, sequestradores e malucos malvados. Lamentavelmente, a realidade não para de fornecer argumento para filmes que despertam a nossa curiosidade por situações e pessoas extremas. Sabendo disso, logo no trailer, eu já fui com a cara desse Room (O quarto de Jack), dirigido por Lenny Abrahamson. Lá, uma mulher divide o quarto do título com o filhinho. Eles são mantidos em cativeiro pelo sujeito que é pai da criança. Ele raptou esta mulher há 7 anos e Jack, o menino que tem 5, nasceu naquele cômodo e nunca andou pelo mundo.

Isso é muito triste, já aconteceu fora da ficção, e não foi uma vez só. Até onde eu sei, o livro em que Room se baseia não vem de uma história real, embora se inspire levemente no caso de Elisabeth Fritzl e os filhos que ela teve em cativeiro, depois de haver sido raptada pelo próprio pai. Na cidade de Cleveland, nos Estados Unidos, houve um caso parecido: três mulheres passaram anos sob o controle de um demente, que fez uma filha em uma delas e forçou diversos abortos em outra.

Não é difícil perceber que o material com que Room trabalha é horripilante. Muitas vezes nos interessa saber como é que funciona a mente de alguém capaz de conceber um crime assim, e eu acho que essa curiosidade é natural. Agora, o que eu não vejo tanto é uma espécie de caminho oposto. Foi isso o que me fez ir com a cara de Room logo no trailer: tive a impressão de que o filme não se concentraria nos modos de pensar do criminoso maluco – que em Hollywood é visto muitas vezes como perturbado, complexo, inteligente – mas que iria tratar da resiliência e da perseverança da mãe que tenta proteger uma criança num mundo horroroso.

Eu estava certa. Room é meio que uma tentativa de vencer o mal pelo cansaço. O filme não se concentra na asquerosidade do estupro, nem na despersonalização da vítima, e também não faz grandes investidas para ver de perto o sequestrador – embora traços de sua personalidade possam ser entrevistos aqui e ali, quase sempre testemunhados a partir do ponto de vista da criança. Na maior parte da primeira metade, vemos o esforço da mãe para inventar para Jack uma vida menos pior. É comovente ver essas tentativas, que começam sempre em pequenas coisas e acabam em perguntas para as quais ninguém tem resposta – no cativeiro ou fora dele.

Nessas ocasiões duas coisas ficam evidentes: 1) a dinâmica entre a mãe (que, aliás, é vivida por Brie Larson, que concorre ao Oscar pelo papel) e o menino (que é bem capaz de ser o melhor ator mirim que eu já vi) deve ter sido aperfeiçoada e treinada à exaustão, porque os dois mostram aquele tipo de conexão que a gente só vê em uma mãe com um filho mimado ou muito grudado – a intimidade é quase palpável; e 2) algo que deve ter vindo do livro, que eu não li, mas que parece fruto de uma pesquisa grande: os sentimentos e as reações dos personagens são verossímeis, e nesse sentido não há atitudes espetaculares ou muito hollywoodianas.

Quanto a esse segundo item, eu digo que são verossímeis as reações e sentimentos da mãe, do filho e dos outros envolvidos, baseada em três livros que eu aproveito para recomendar. Dois são sobre os sequestros de Cleveland: Esperança, que conta a história de Amanda Berry e Gina DeJesus, e que foi escrito com o apoio de dois jornalistas que acompanharam o caso desde o começo – e Libertadaque conta o ponto de vista da outra vítima do mesmo caso, Michelle Knight; o outro é 3096 dias, que trata do rapto de Natascha Kampusch, uma menina austríaca que sumiu a caminho da escola aos 10 anos e só conseguiu voltar para casa aos 18. Os três livros mostram uma realidade que é muito sombria, sim, extrema e maluca, mas que é muito mais triste e revoltante do que fascinante. Tanto nos Estados Unidos como na Áustria, as meninas foram vítimas de criminosos que não tinham mentes brilhantes: eram homenzinhos de moral distorcida, incapazes de sentir empatia, indivíduos entediantes, desinteressantes, fracos, burros e doentes. As vítimas, por outro lado, não sucumbiram, não se deixaram distorcer.

Por este ângulo, Room é uma atualização da mitologia desse tipo de crime. Uma atualização que, talvez, só tenha sido possível por causa da onda de mulheres fortes que – ainda bem – vem passando pelo cinema comercial nos últimos tempos. Nas explicações que a mãe faz para o filho, durante a primeira metade do filme, fica claro que, enquanto ela tenta explicar o que é o mundo e o que são as coisas, ela também vai reorganizando a própria trajetória, ou seja: ela não compra a versão que o sequestrador criou. Ela é uma pessoa, não foi destruída. Isso é bonito.

A segunda metade do filme (e aqui não vai spoiler nenhum, isto está no trailer) mostra a mãe e o menino fora do cativeiro, ela voltando ao mundo e ele o conhecendo pela primeira vez. Acho que nessa transição mora o aspecto mais interessante da direção – esta é a hora de lembrar que Lenny Abrahamson concorre ao Oscar de melhor diretor e Room ao de melhor filme -, e da fotografia, e aí essas duas partes fazem uma combinação interessante: a fotografia mostra que as mudanças na vida de Jack e sua mãe são abruptas: de tomadas fechadas e detalhes de um cubículo claustrofóbico para um quarto amplo de hospital todo branco, com a luz do dia cobrindo absolutamente tudo, e daí para uma casa grande, cheia de cômodos, com vários ângulos para cada cômodo; enquanto isso, a direção mostra que as mudanças na vida de Jack são sutis: a mãe primeiro o esconde, depois, aos poucos, ele vai aparecendo e interagindo com as primeiras pessoas que conhece: a avó, o novo marido da avó. Quando conhece um cachorro, Jack está no papel de bichinho acuado, que vai vencendo a desconfiança passo a passo.

Tudo isso faz com que Room tenha perspectivas que, se não são exatamente novas, pelo menos não são as costumeiras. Como isso também acontece nos outros dois filmes dirigidos por Lenny Abrahamson que eu vi, Frank e What Richard Didacho que a minha torcida no Oscar, pelo menos até agora, vai para este aqui.

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