Animais Noturnos

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A sinopse poderia ser bem pequenininha: Amy Adams está lendo um romance. Boa parte da atuação dela em Animais Noturnos é reagir ao que parece ser um livro bem bom. Por sorte, ficamos sabendo o que é que está tão interessante na leitura: Jake Gyllenhaal, o protagonista do livro, vai viajar com a família e acaba num pesadelo. Numa estrada, à noite, ele é cercado por estranhos e fica quase sem reação quando sente que deveria proteger a esposa e a filha. A perspectiva da violência é o que deixa a gente, em casa, e a Amy Adams, nos sofás e na cama dela, em suspense.

Então temos duas histórias:  (1) Amy Adams lendo um livro e (2) o livro que Amy Adams está lendo. Eu acho que saber detalhes maiores que esses, antes de ver o filme, é um prejuízo e tanto. Portanto, se você chegou aqui perdidinha(o) sua missão já terminou. Para todo mundo que já assistiu a Animais Noturnos eu digo: foi legal ou não foi? Foi, né? Olha que eu não esperava muita coisa. Do  trailer eu só levei uma impressão de que esse filme seria um daqueles de cenários insípidos, todo metido a elegante, às vezes até meio minimalista. O nome do diretor não me dizia absolutamente nada, e eu só fui saber agora, via Wikipedia, que esse é aquele mesmo Tom Ford estilista da Gucci. Caramba.

Eu tinha certa dose de razão. Os cenários são meio insípidos, só que de propósito. Isso é um tema do filme. Amy Adams é dona de uma galeria de arte em Nova York. Quarentona, ela tem cara de cínica e desiludida, fala que não dorme, tem aquela pinta de Meryl Streep em O Diabo Veste Prada, tem uma filha crescida e um marido infiel. Ela está infeliz e a beleza ao redor só reforça essa ideia. Ela tem quadros lindos, mas uma casa meio impessoal. Um penteado que, apesar de maravilhoso, com a ajuda de maquiagem pesada esconde boa parte do rosto. Essa é ela depois de muitas desilusões, com uma espécie de máscara na cara, solitária e entediada.

Uma coisa que eu escondi de quem ainda não viu o filme (e que eu não lembro se está no trailer) é que ela não está lendo um livro ao acaso. Não. Foi o ex-marido dela quem escreveu e mandou o romance para ela, com dedicatória e tudo, e a certa altura do filme a gente fica sabendo  da história dos dois e de como essa história se embrenhou no romance que ele escreveu. Há uns vinte anos eles eram jovens e se casaram, apaixonados. Ele um aspirante a escritor, ela uma estudante bem mais idealista do que essa versão desencantada que a gente conheceu primeiro. Nessa época ela não escondia o rosto, tinha uma expressão mais direta e honesta, os olhinhos brilhavam.

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(Acho que quem gostou do filme vai concordar comigo que a atuação de Amy Adams é bem boa por conseguir ilustrar essas diferenças sem apelar para diálogos explicativos, tipo: “Hoje estou muito cansada e desiludida, mas já fui cheia de energia e esperança”. Mérito dela, mérito do Tom Ford que dirigiu e escreveu o roteiro, baseado em Tony e Susan, livro de Austin Wright).

Essa diferença entre as duas versões de Amy Adams é de cortar o coração, e os interiores insípidos têm um papel nisso. Vê-se que ela foi sufocada pelas coisas que queria para a própria vida. Enquanto ela lê a história do homem que sente que não conseguiu  proteger a própria família, ela consegue se colocar na pele do ex-marido. Ela vê, por exemplo, na violência física contada no livro uma representação da violência emocional com que ela tratou o ex. Porque afinal de contas foi ela quem traiu e arrebentou com o coração dele, lá atrás. Pela primeira vez ela tem acesso àquilo que aconteceu com eles, do ponto de vista dele. Quando ela enxerga o que fez, se arrepende, mas já é tarde: tanto para ela, que não vai encontrar a felicidade, quanto para o pai de família do livro, que não vai conseguir voltar ao passado e salvar a família. Que o ex-marido jovem seja interpretado pelo mesmo Jake Gyllenhaal que faz o pai em busca de justiça só mostra que ninguém saiu bem daquele casamento fracassado.

Mas imaginar que a história dentro da história é apenas uma metáfora pálida para o que aconteceu na vida do casal não é fazer justiça ao filme. Não é de admirar que a Amy Adams fique tão aflita ao ler o livro: a história é enervante, nela a justiça é um conceito abstrato, e o mundo que o pai de família habita é um deserto árido povoado por gente hostil. Para quem assiste a essas duas histórias fica a impressão de que, no mundo inteiro, não há um só lugarzinho aconchegante onde se encostar. Boa parte da vivacidade desse universo tem que ser colocada nas contas de Jake Gyllenhaal e de Michael Shannon, que vive um detetive empenhado e com o pé na cova – eu pagaria para ver um filme derivado só com ele, de tão bom que o personagem é.

Vou torcer para os três – Amy Adams, Jake Gyllenhaal e Michael Shannon – serem indicados ao Oscar. Minha torcida não serve para nada, eu sei.

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