Love estreia na Netflix

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O cara é normal ou feio e está sempre na dele, um tipo talentoso que ainda não teve sua grande oportunidade; a menina é linda, maluquinha e capaz de tomar as piores decisões do mundo. O cara encontra a menina. Quantas mil vezes você já viu esse casal, no cinema e na tevê? Love, série que estreou na Netflix, tentou ser uma crítica aos clichês da comédia romântica, mas acabou celebrando os aspectos mais datados do gênero – ou sem querer, ou meio que achando que a gente não ia se dar conta.

Fazia tempo que eu não sentia tanta raiva de uma série. Uma raiva que eu posso apontar para todos os lados. Para a série, para os personagens, para a história, para o criador, e sobretudo para mim, por assistir os dez episódios em um fim de semana. Mas vamos por partes.

Judd Apatow e Paul Rust escreveram a série. Rust interpreta Gus, o personagem principal, aquele que vai conseguir vencer suas inseguranças (ou sua apatia, já que a série parece sugerir que todo mundo é apático hoje em dia) e ficar com a garota. Claro, a garota é muita, mas muita, mas muita areia para o caminhão dele, bem ao estilo de produções de homens feitas para homens. Tudo bem, eu sou a primeira a dizer que a televisão tem que mostrar gente que se pareça com gente, mas quando esse parâmetro parece reservado aos protagonistas masculinos não tem como disfarçar o incômodo. Gus está cercado de mulheres lindas, e ele é tipo um Geddy Lee que cortou os cabelos. Mickey, a menina excêntrica que só toma decisões ruins, é interpretada por Gillian Jacobs, que muita gente conheceu em Community. Ela é a típica garota do dedo podre. Isso até faz sentido para a personagem, mas não deixa de ser sintomático. Na cultura pop, faz uns mil anos que o homenzinho ansioso e inseguro, no fim das contas, consegue a garota – nem que seja apenas pra ela se decepcionar amargamente.

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Com essas informações, a gente não precisa de uma sinopse muito completa. Garoto encontra garota já me faz parar para prestar atenção – acho que não sou a única. Sou fã de comédia romântica, mas já tenho mais do que um pé atrás com o Judd Apatow. Freeks and Geeks (que não é comédia romântica, mas é a estreia de Apatow) tem lugar especial no meu coração; até onde eu lembro, O virgem de 40 anos é legal. Todo o resto, porém, e sem exceção porque eu tô com uma aba do navegador aberta nos créditos dele no IMDB, tem aquela carinha de falsa comédia com mensagem edificante embutida. Ou melhor: aquela carinha de família de comercial de margarina dois-ponto-zero. Tem problema? Não necessariamente. Tem graça? Não.

No caso de Love, embora sem grande mensagem edificante, há uma tentativa de criticar a maneira como as pessoas se relacionam atualmente. Essa é a reviravolta aqui: de Love, só o título. O que os protagonistas buscam, quando parecem buscar amor, é outra coisa. Autoafirmação, talvez. Love parece dizer a todo momento: viu, espectador, viu?, todo mundo é egoísta, viu só? Aham, vi. Pode ser que a ideia toda seja conseguir elaborar um comentário às pessoas que estão pelos 30 anos e agem como se elas e seus relacionamentos fossem a coisa mais importante do planeta. E isso é legal e poderia dar certo – Master of None é bacaninha, Take This Waltz, com Seth Rogen e Michelle Williams, trata de coisa parecida – mas talvez, para elaborar um comentário crítico, uma série não possa estar tão inebriada por aquele mesmo aspecto romântico e tolinho que ela está tentando criticar. Assim, o que poderia ser um novo olhar sobre os relacionamentos, é só, sei lá, algo irrelevante. Não adianta ser irônico e dizer que sabe que está lidando com um clichê, poxa, tem que fazer o tema andar para frente.

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No fim, eu me vi irritada por ter passado o meu tempo com pessoas tão detestáveis. Gus e Mickey são horríveis e a série sabe disso. Eles estão ali para que a gente tenha, primeiro, uma ilusão de identificação e, depois, uma espécie de insight: meu deus, sim, essa geração é uma droga mesmo. Só que televisão nunca é só o que está sendo contado, mas também a forma como se conta: Love parece apaixonada pelos defeitos dessa gente, pelos clichês que eles representam, por seu próprio senso de ironia, pelos privilégios de que aquelas pessoas gozam mesmo sendo tão ruins.