Nossa irmã mais nova – Umimachi Diary

poster umimachi diaryUmimachi Diary, ou Nossa irmã mais nova, estava há um bom tempo na minha lista “Quero Ver” do Filmow. Esse é um daqueles casos em que dez segundos de trailer já me fazem não precisar de muito mais informações. Não conheço nada do diretor, Hirokazu Koreeda, e também não tinha ideia de que ele era considerado um tipo de sucessor espiritual do cinema de Yasujiro Ozu. Bom Dia, de Ozu, é um dos melhores filmes que já vi. Olhando agora, a comparação faz todo o sentido.

Mas, semelhanças à parte, a sensação que eu tive com o Umimachi Diary – talvez por ser leiga – é de singularidade. A história é a mais simples possível: três irmãs entre os vinte e trinta anos moram juntas e vão ao enterro do pai que não vêem há muitos anos. Lá elas conhecem uma quarta irmã, de quinze anos, fruto do segundo casamento do pai. Depois desse primeiro encontro, a caçula rapidamente vai morar com as mais velhas e aí está o centro de interesse do filme: a forma como o relacionamento delas progride na vida cotidiana desta casa.

Hirokazu Koreeda realiza com tranquilidade o que muito filme indie americano tenta sem sucesso: contar uma história tocante e delicada, ao mesmo tempo leve e profunda. Não é falsa despretensão. É um refinamento que afasta qualquer tipo de artificialidade. O entrosamento das irmãs é palpável, ele vai se concretizando diante dos nossos olhos.

Para um fã do diretor, imagino que o filme tenha agradado, mas não deve ter acontecido qualquer surpresa. Para mim, que sou assumidamente uma curiosa e nada mais, o que aconteceu foi uma verdadeira descoberta enquanto a trama se desenrolava. Quando a caçula, Suzu Asano, entra para a família ela parece um enigma. Com o desdobrar da história, Suzu mostra que é somente uma boa menina precisando do afeto que as irmãs mais velhas oferecem na medida do possível. Sem complicações, sem deslealdade e traições, sem grandes sacadas ou intrigas. As desavenças acontecem, mas soam naturais. Um exemplo: quando a irmã mais velha chega cansada em casa e descobre que a outra acabou de entrar no banho, rola uma briguinha típica de convívio familiar. Acho que dá pra dizer que a situação é bem corriqueira, mas a qualidade do filme está em fazer dela motivo para reflexão e, ao mesmo tempo, bom entretenimento.

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Podia ser um comercial da Vivo, mas ficou legal 🙂

Umimachi Diary me fez lembrar de um outro longa que eu tentei ver esses tempos: Sete dias sem fim. Ali, Tina Fey e “grande elenco” precisam velar pelo pai morto durante sete dias, de acordo com a religião da família. São sete dias em que discutem de tudo, como qualquer família que tem seus problemas. A ideia, de um jeito distorcido, é a mesma de Umimachi Diary, mas a diferença são as sutilezas na forma de contar. Umimachi Diary consegue reivindicar para si o que Sete dias sem fim não conseguiu: simplicidade e sobriedade, sem abusar de fórmulas, sem querer ser o que não é.

Algumas sequências poderiam ganhar um tom de afetação se estivessem em outras mãos. Nunca imaginei que a manjada cena de uma menina passando de bicicleta por um corredor de cerejeiras fosse me enternecer tanto. As estações foram fixadas por cenas tocantes, e eu me emocionei em todas elas. Vale dizer que Umimachi Diary não é um filme triste, mas mesmo assim, na última cena, na praia, mesmo não sendo a pessoa mais impressionável, acabei chorando.

Sobre o fim de Guerra e Paz da BBC

Se você ainda não começou a ver Guerra e Paz, da BBC, este texto não é para você. Eu dei as minhas impressões sobre o piloto da minissérie aqui, e parece que foi ontem que me impressionei com a beleza das paisagens e dos cenários dessa produção que acabou agora. Mas, se assim como eu, você também chegou ao último episódio, vem cá e vamos conversar. Ou melhor: vem cá e me abraça.

Em seis episódios, se não dá pra dizer que toda a intensidade do livro de Tolstói foi levada direto à tela, acho que é seguro afirmar que, caramba, foi intensidade suficiente para encher os olhos de lágrimas e deixar todo mundo pensando na vida. Na vida mesmo: do Andrei ferido na cama refletindo sobre amar incondicionalmente uma mosca à jornada iluminadora de Pierre como prisioneiro por uma Rússia gelada e invadida. E aqui estamos falando de dois dos personagens principais. O que pensar da abnegação de Sonya, do fortalecimento de Marya, da solidão de Helene, da tristeza do conde Rostov, da bravura louca do pai de Andrei e Marya, do povo russo que queimava cidades inteiras para não deixar nada para os franceses, da ambição de Napoleão, da fidelidade de uma cachorrinha?

Tudo isso estava na tela, embora nem sempre ganhando a atenção que todos gostaríamos. Duas, três ou oito temporadas provavelmente conseguiriam olhar com calma os detalhes que estão em Guerra e Paz, mas se eu disser que me lembro de muita coisa do livro, vou estar mentindo. Eu me lembro de sensações e de impressões sobre os personagens principais. Falei mais a respeito disso no primeiro texto.

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Foi muito bom poder ver os recursos – tanto financeiros como, sei lá, artísticos – da televisão de hoje em dia sendo aplicados a essa história. A prova de que a adaptação da BBC funcionou é que muita gente que não havia lido o livro conseguiu se conectar aos personagens: sentir raiva, shippar, torcer pela morte, essas coisas que a televisão desperta. Eu pude constatar isso nos comentários à minissérie no Filmow e, principalmente, no Banco de Séries.

O triângulo amoroso Andrei-Natasha-Pierre teve, naturalmente, mais tempo de tela do que todo o resto. Isso gerou uma reclamação, que eu achei meio nada a ver. Disseram (um artigo na The Economist, por exemplo)  que, fazendo as contas, essa versão de Guerra e Paz tinha muita paz. E que, pior que isso, a paz tinha só intriga de gente rica e romance quase teen. Não é verdade. A guerra foi importante para a minissérie. Prova disso é a atitude de Andrei quando encontra Anatole, um desafeto, depois de uma batalha. Na televisão, naquela hora, a guerra vira contraponto à paz e as intrigas e convenções sociais ficam pequenas. E outra coisa: uma adaptação é isso mesmo que a palavra diz, e se houvesse lá muito mais paz do que guerra ou se a guerra fosse de russos contra extraterrestres (vide Orgulho & Preconceito & Zumbis) não faria diferença. O livro ainda estaria lá, escritinho, para quem quiser ler, e as coisas que escreveram a respeito do livro ainda estariam lá, também, para se entender melhor o contexto de tudo.

Eu não acho válida essa reclamação, por isso eu trouxe outras. Elas podem ser tanto sobre a adaptação quanto sobre o que é o material saído do livro, e eu tenho certeza que alguém pode argumentar contra mim e me deixar no chão, mas pelo menos as minhas reclamações são minhas. Dizem que faz mal guardar essas coisas pra gente, então aqui vão elas:

-Sr. Tolstói, quer dizer que só a Helene adúltera que não ganha a redenção?

– Sr. Tosltói e senhor Andrew Davies, roteirista: e a cachorrinha, hein? Poxa! Dava para resolver isso, senhor Davies, nessas horas a gente não liga pra fidelidade ao livro.

– Srta. Lily James, a Natasha, e senhor Andrew Davies, roteirista, será que a Natasha era assim tão enjoadinha no romance? Eu me lembro de uma mocinha mais empenhada em ser uma boa pessoa e ajudar os outros, mas a minha memória é péssima.

-Sr. Paul Dano, o Pierre, e Sr. Andrew Davies, roteirista: eu acho que o arco do Pierre envolvia ele ir deixando, aos poucos, de ser muito bobão. Será que isso aconteceu na tevê? Não sei.

É isso. Não preciso nem dizer que valeu a pena. Tem mais uma coisa: vi no Banco de Séries uma menina perguntar se era só isso ou se teria uma segunda temporada. Cortaram as esperanças dela e contaram a verdade. Amiga, eu te entendo.