Corte de névoa e fúria

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Corte de névoa e fúria, a continuação de Corte de espinhos e rosas, é de tirar o fôlego. Eu estava muito ansiosa por essa sequência, mas como acontece bastante com sequências, sabia que a chance de perder o interesse era grande. É que eu dificilmente continuo lendo uma série depois do segundo ou terceiro livro. Não por preguiça: é que minha memória é péssima. Sempre foi assim, para todas as coisas, menos para datas de aniversário de pessoas que eu conheci apenas superficialmente. Eu lembro do aniversário de pessoas que eu conheci na época da escola e com quem perdi contato (ou com quem nem tinha contato, para falar a verdade). No tal dia eu falo pro meu marido: sabia que hoje é aniversário daquela mulher que trabalhou com sua mãe e que apareceu, do nada, num evento da sua família e comeu vários espetinhos? Sabia que hoje é aniversário do cara que foi o primeiro beijo da minha melhor amiga? E o meu marido, que tem uma ótima memória e sabe que eu geralmente não lembro de nada, fica abismado com isso. Os meus meses são preenchidos com datas de aniversário de estranhos, e é engraçado pois eu sempre imagino como é que estão sendo as comemorações deles.

Pois é, acho que você não veio aqui para ouvir falar disso. Voltando, portanto, ao argumento que eu tentava clarear: eu nunca lembro de quase nada do livro anterior quando começo a sequência. Se o intervalo de leitura for maior que seis meses, seria mais fácil começar tudo de novo. Isso é triste, e me faz desistir de muitas séries de que eu estava gostando. Mesmo depois de uns três livros eu não estou salva da maldição da má memória.

Por isso me alegrou demais eu ter gostado tanto de Corte de névoa e fúria. Eu me entusiasmei de verdade no primeiro livro, e agora, no segundo, a história estava surpreendentemente muito fresca na minha cabeça. O mérito só pode ser de Sarah J. Maas.

O que acontece nessas 600 e poucas páginas? Tudo. Esqueça o livro anterior (ha!, ou melhor: não esqueça literalmente, apenas deixe tudo em segundo plano) e espere muito spoiler aqui, porque me é impossível falar sobre Feyre e Rhys sem soltar spoiler atrás de spoiler. Se você não leu os dois livros é melhor parar por aqui, até porque você não vai entender nada mesmo.

Feyre comeu o pão que o diabo amassou no fim de Corte de espinhos e rosas, e agora, a princípio, parecia que ela finalmente poderia descansar um pouco, depois de ter morrido como humana e ressuscitado como feérica. Mas se fosse assim não teríamos livro. Tamlim, que já parecia superprotetor antes, quando nada tinha acontecido, ficou neurótico com a tarefa de proteger Feyre depois dos eventos de Sob a montanha. Desde a saga Trono de vidro, dá pra perceber que para Sarah J. Maas é importante contar com uma heroína forte e independente. Então, logo fica claro que a superproteção do mocinho, que é um fator importante para muito romances YA, AY, AA, aa, Aa, AYAY, CCAA, YMCA e por aí vai, será um problema para a nossa protagonista feminina. Feyre não quer ser protegida e cuidada, ela quer ser tratatada de igual para igual e aquela coisa. Essa pegada superprotetora de Tamlim continua até o fim , mas não tem problema, porque ele não é o mocinho da história.

Por isso que é importante esquecer do primeiro livro.

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Depois de Corte de espinhos e rosas, um triângulo amoroso se anunciava, mas não foi esse o caminho que Maas escolheu. Rhysland chegou chegando e tomou o coração de 10 entre 10 leitoras (não fiz nenhuma pesquisa, mas tenho certeza de que isso aconteceu) e depois o de Feyre. Ela demorou, mas percebeu que Rhys era o mocinho, coisa que nós leitoras entendemos lá no começo. Tamlim foi jogado para escanteio, e nem foi por mérito de Rhys, mas porque ele exagerou na proteção, ficou meio pegajoso e teve dificuldade em ver Feyre como uma feérica poderosa.

Diferentemente do primeiro, Corte de névoa e fúria tem mais ação, e assim o mundo de Rhys, a tal corte noturna, ganha forma. Junto com seus amigos mais próximos, Rhys vai viver alguns bons momentos com Feyre, e aventuras realmente empolgantes, daquelas que valem a leitura, vão tomar boa parte do livro. Apesar disso, o romance do casal não fica de lado. Maas o elaborou de forma gradativa nas 658 páginas. Feyre vai lentamente se apaixonando por Rhys –  o que foi uma ótima sacada, afinal, deixar de amar um para amar outro não é um ato corriqueiro. É a junção perfeita de todos os elementos que uma entusiasta do gênero pode querer encontrar.

Por isso, Corte de névoa e fúria acabou sendo muito especial para mim. Desde Filha da floresta eu não tinha lido fantasia que conseguisse trazer tudo o que eu mais gosto: uma protagonista destemida, um mocinho galã mas frágil, aventura que poderia ter saído de um filme do Indiana Jones ou de um episódio de Duck Tales (para mim isso é um super elogio, porque é aventura mesmo, sem enrolação), personagens secundários com personalidades e arcos que importam, e palavras pesadas como foder e trepar. Estas palavras deixaram os protagonistas mais verossímeis, e também a história mais espertinha.

Feyre fica com Rhysland? Sim. Tamlim é mal? Não sei, ele parece meio perdido. Eu diria que ele é inescrupuloso, mas pode ser que no terceiro livro isso mude, já que essas escritoras americanas adoram um drama para prender o público. Afinal de contas, Feyre termina o livro novamente ao lado de Tamlim, para espioná-lo, mas quem sabe o que pode acontecer? Acho que depois de todo o trabalho que Sarah J. Maas teve para contar que Rhys foi o único a conseguir ver Feyre como uma pessoa dona de si mesma, alguém que não depende de ninguém além dela, seria dar um tiro no próprio pé fazê-la voltar para Tamlim.

Agora só preciso esperar até o ano que vem e torcer para minha memória não me trair, para que eu possa lembrar quem é quem.

Corte de Espinhos e Rosas

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Venusaur só está aqui de enfeite. Nada de Pokémon na história 

Conheci a Sarah J. Maas com a série Trono de Vidro, e fui fisgada para dentro desse mundo da Celaena. Vi muita gente falando sobre o feminismo nos livros desta série, concordo com isso e acho um ponto positivo, mas o que mais me encantou mesmo foi como a autora conseguiu fazer uma protagonista incomum. Nem estou falando de força, mas sim de excentricidades. Chega a ser insólito, e isso é muito bom. Afinal, Trono de Vidro é para o público jovem.

Acho que eu já falei aqui em algum texto sobre como me encanta quando um autor consegue deixar sua marca, mesmo quando o livro tem um público circunscrito e um tipo comercial bem definido e às vezes engessado, como é o caso, na minha opinião, dos livros para jovens. Eu senti esse encanto com a Jenny Han e a Rainbow Rowell. Ao mesmo tempo em que produzem literatura de um gênero muito bem estabelecido, elas vão trabalhando para alargar os horizontes dele. Para mim, a mesma coisa acontece com a Sarah J. Maas. Os relatos de Trono de Vidro são uma mistura de vários gêneros, com uma personagem tão diferente que me faz pensar que o livro está além do gênero YA.

Por isso fui com muita expectativa ler Corte de Espinhos e Rosas. O livro é sobre uma menina que já foi rica, mas vive na pobreza com o pai e as duas irmãs. Para a família sobreviver, ela precisa caçar, afinal, são tempos difíceis. Feyre caça um lobo muito maior que o normal, e claro, ela descobre da pior forma que o que ela caçou não era apenas um simples lobo, mas um ser incomum. Para pagar sua dívida, ela é levada para a Corte Feérica por Tamlin, o Grão-Feérico da Primavera.

Eu esperava uma protagonista com personalidade forte, mas também meio bizarra – e eu adoro os bizarrinhos – mas Feyre, a mocinha, não tem nada de bizarra. Ela é uma menina dos livros de hoje em dia, de personalidade forte e totalmente destemida. No começo isso não me empolgou muito, achei que podia ser mais do mesmo. Com o desenrolar da história, ela ganhou minha simpatia, mas acho que o ponto alto fica por conta de Tamlin, o mocinho. Tamlin é o protagonista forte e poderoso, que alia um bom coração a uma alma perturbada. Uma coisa meio Heathcliff e sr. Rochester. Aliás, a história tem muito o ar sombrio de alguns livros góticos que influenciaram as irmãs Bronte, e isso acaba sendo um contraponto interessante ao que se poderia imaginar vir de um livro repleto de fadas. 

Não sou muito chegada em histórias de fadas, mas esta aqui está impecável. Sarah J. Maas não nos joga vários personagens desinteressantes só para tentar fazer um universo de fantasia “rico”. Ela consegue se virar com poucos tipos, porque todos são cativantes. O mundo de magia é abundante, e a gente vai descobrindo tudo junto com a Feyre, bem aos poucos. A trama não é confusa, a autora passa a primeira metade do livro situando o leitor ao delinear muito bem as personalidades de seus personagens. Nada de chato ou excessivamente explicativo. Feyre e Tamlin vão se apaixonando aos poucos, e é muito bonito de ver. Quando o leitor percebe, já está se importando com os dois.

E aí vem o segundo momento da história: o grande dilema de Feyre. Tamlin está em apuros e ela precisa ajudá-lo. Aqui o livro toma a cara da Sarah J. Maas que a gente já conhece, e, com criatividade, o diferente surge. Em alguns livros de fantasia e sobrenaturais, essa hora de resolver o grande problema acaba virando um momento confuso, com muita ação, desordem e caos, como se o autor quisesse desviar nossa atenção do que interessa para não percebermos que ele não sabe o que está fazendo. Aqui, a autora situa o leitor como se ele estivesse lá, vivendo o instante. Ou seja: ela entrega o que promete. 

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Mas se você está pensando que este livro pode ser muito água com açúcar já que boa parte da trama gira em torno de um romance, eu posso garantir que o final de Corte de Espinhos e Rosas vai fazer tudo valer a pena. Temos aqui uma protagonista absolutamente feminista e independente, e ela precisa salvar um mocinho que não tem nada de sonso, mas que precisa, sim, ser salvo. E só ela poderá fazê-lo. Feyre é forte e destemida, mas muito simpática e nem um pouco entediante. Ela sofre, mas a autopiedade passa longe. Como recurso, isso é bom, pois faz a história andar sempre para a frente.

Ah! Esqueci de mencionar um outro personagem: Rhysand, o Grão-Feérico da Corte Noturna, que pelo jeito vai ser a terceira ponta de um triângulo amoroso na sequência da série. Só essa perspectiva já me deixa ansiosa pela continuação.